Projeto em Pacaraima acolhe refugiados e migrantes em situação de rua

Venezuelanos atendidos por igreja recebem três refeições por dia, além de aulas de português e apoio psicossocial às famílias

A Comunidade Batista de Pacaraima, com o apoio do ACNUR, da União Europeia e da Operação Acolhida, oferece três refeições diárias para as mais de 116 pessoas acolhidas pelo projeto ©ACNUR / Allana Ferreira

A decisão de sair de seu país por uma questão de sobrevivência é sempre difícil, e quando se é forçado a deixar tudo para trás, as incertezas e desafios se tornam ainda maiores. Muitos venezuelanos estão tendo que tomar essa difícil decisão e percorrer longas jornadas até chegar a países vizinhos, como o Brasil.

Entre 2017 e 2019, mais de 540 mil venezuelanos entraram no país, sendo que mais de 129 mil deles solicitaram o reconhecimento da condição de refugiado – cerca de 21 mil pedidos foram acatados recentemente pelo governo brasileiro, e mais de 123 mil venezuelanos solicitaram residência temporária. A principal porta de entrada no Brasil é a cidade de Pacaraima, em Roraima. Em média, cerca de 500 venezuelanos cruzam a fronteira todos os dias, e alguns acabam ficando na cidade pela proximidade com o país de origem.

Apesar do abrigamento oferecido pela Operação Acolhida às pessoas mais vulneráveis, muitas acabam permanecendo nas ruas.

Enquanto alguns cidadãos optam por se distanciar desta situação, os brasileiros Gideão Ferreira de Vasconcelos e sua esposa Sandra Santos de Vasconcelos abriram as portas da Comunidade Batista de Pacaraima para acolher famílias venezuelanas.

“Já oferecíamos alimentação para algumas famílias que viviam nas ruas, mas após alguns conflitos entre a população local e a comunidade venezuelana decidimos abrir as portas da igreja e abrigar o máximo de pessoas possível”, diz Sandra ao contar sobre como o projeto começou, ainda em 2018.

No início, o casal pastoral conseguiu abrigar cerca de 60 pessoas. Atualmente, a ação, que foi iniciada como medida emergencial, consolidou-se em projeto regular e hoje acolhe mais de 100 pessoas, entre adultos e crianças.

Crianças refugiadas esperando as aulas de reforço na frente da Escolinha Sem Fronteiras do projeto da Comunidade Batista de Pacaraima

Crianças refugiadas esperando as aulas de reforço na frente da Escolinha Sem Fronteiras do projeto da Comunidade Batista de Pacaraima ©ACNUR / Allana Ferreira

No espaço da comunidade, são servidas diariamente três refeições. Além disso, são oferecidas aulas de português para adultos e crianças, aconselhamento familiar e aulas de reforço para os menores em idade escolar. O pastor Gideão e Sandra procuram também apoiar algumas iniciativas individuais dos acolhidos para produzir e vender comidas tradicionais da Venezuela e gerar sua própria renda.

“Muitos deles chegam bem desnutridos, às vezes sozinhos, outras vezes com toda a família. Por isso, a primeira coisa que fazemos é cuidar da alimentação de cada uma”, explica Sandra. Com a crescente demanda de refeições o pastor Gideão procurou o ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, que atua na cidade em busca de apoio, que conseguiu fornecer desde fogão a diversos utensílios de cozinha para o projeto.

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A cozinha é um dos principais ambientes do abrigo, e o projeto pretende ampliar o espaço para auxiliar mais pessoas ©ACNUR / Allana Ferreira

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A cozinha é um dos principais ambientes do abrigo, e o projeto pretende ampliar o espaço para auxiliar mais pessoas ©ACNUR / Allana Ferreira

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O venezuelano José Mogollon e a coordenadora do projeto junto com pastor Gideão, sua esposa Sandra de Vasconcelos ©ACNUR / Allana Ferreira

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O venezuelano José Mogollon e a coordenadora do projeto junto com pastor Gideão, sua esposa Sandra de Vasconcelos ©ACNUR / Allana Ferreira

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O abrigo fica no próprio terreno da Comunidade Batista de Pacaraima, onde tendas foram improvisadas e a cozinha funciona na parte de trás da casa do casal pastoral ©ACNUR / Allana Ferreira

 

José, de 50 anos, foi um dos primeiros a ser abrigado pela igreja. O venezuelano que chegou em Pacaraima em julho de 2018, ficou mais de um mês na rua até ser atendido. “Tive que deixar minha esposa e dois filhos e percorrer 16 horas de ônibus de Maturin até chegar aqui. Estava bem fraco e desnutrido, mas hoje estou forte e ajudo no que o pastor e a Sandra precisarem”, afirma o José, que hoje é um dos líderes do grupo de 16 voluntários venezuelanos que ajudam o casal a cuidar do projeto.

Sandra, que também trabalha com a recepção de menores que chegam à cidade, lembra que o projeto orienta as famílias a participarem da estratégia de interiorização, iniciativa do Governo Federal apoiada por agências da ONU e da sociedade civil para a relocação voluntária de refugiados e migrantes para outros estados brasileiros. “Já ajudamos mais de mil venezuelanos a serem interiorizados para outros estados. Isso é importante para que possamos continuar recebendo os que chegam aqui em Pacaraima”, afirma Sandra.

Para o chefe do escritório do ACNUR em Pacaraima, Rafael Levy, além das pessoas em trânsito pela fronteira, um dos maiores desafios a se enfrentar é apoiar pessoas em situação de rua que por alguma razão decidiram permanecer na cidade. “O trabalho em rede é fundamental e a Igreja Batista de Pacaraima é o nosso principal parceiro nesse sentido. Com o seu trabalho e sua rede de igrejas, eles apoiam as pessoas a reconstruírem suas vidas e a se integrarem no Brasil”, pontua Levy.

Este importante projeto só foi possível graças ao apoio da União Europeia que, desde 2018, investe no fortalecimento da resposta aos venezuelanos na região norte do Brasil com projetos que promovem a proteção de populações em maior situação de vulnerabilidade e a convivência pacífica com a comunidade local. Em 2019, a Operação Acolhida também começou a colaborar com essa atividade oferecendo marmitas diárias e possibilitando a extensão e continuidade dessa ação e oferecendo melhores condições para centenas de pessoas que chegam da Venezuela.