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Organização Compassiva ajuda refugiados a reconstruírem suas carreiras no Brasil

Projeto desenvolvido em parceria com o ACNUR facilita que refugiados tenham seus diplomas revalidados no país, um processo complexo e custoso.

SÃO PAULO, 31 de janeiro de 2018 (ACNUR) – Toda manhã, Salim pega duas linhas de metrô e outras duas linhas de trem antes de entrar no ônibus que o levará para o trabalho. O refugiado sírio de 32 anos deixa a sua casa em São Caetano do Sul, que fica na região metropolitana de São Paulo, em torno das sete horas da manhã para garantir que chegue à tempo ao trabalho.

Ele começa o seu dia de trabalho junto com outros cinco funcionários, verificando se as encomendas de remédios e suplementos estão seguras para serem entregues aos locais de destino. Durante as tardes Salim normalmente revisa o processo de documentação e ajuda a equipe no que for preciso.

Salim e sua esposa, Salsabil – ambos farmacêuticos que viviam em Damasco, capital da Síria – chegaram a São Paulo há três anos com a sua filha mais velha, Jury, devido ao visto humanitário concedido pelo governo brasileiro aos refugiados sírios que buscam proteção internacional.

Os procedimentos simplificados para emissão de vistos nos consulados brasileiros do Oriente Médio permitiram que a família viajasse em segurança para o maior país da América Latina, onde eles puderem requisitar o status de refugiados.

Além de abandonar sua casa, familiares e amigos, eles pensaram que também teriam que deixar para trás suas carreiras. Isso porque seus diplomas precisariam ser traduzir e revalidados para só então ser inscrito no conselho regional de farmácia – um processo longo, complexo e caro.

Por conta das dificuldades, Salim começou a trabalhar em uma loja de acessórios para o celular no centro da cidade, enquanto Salsabil vendia comida síria tradicional pelas ruas da cidade.

Entretanto, Salim não desistiu. Ele buscou informações em universidade públicas sobre a revalidação de diplomas, mas em cada uma encontrou informações diferentes sobre como proceder diante de seu pedido.

Incansável, Salim pediu conselhos a um grupo de sírios que moram no Brasil em uma rede social. Uma pessoa então sugeriu que ele buscasse informações com a Compassiva, uma ONG parceira do ACNUR que tem projetos voltados para atender a população refugiada que queira revalidar seus diplomas.

O processo de revalidação pode ser longo e cansativo, mas o apoio dado pela Compassiva à Salim e Salsabil, inclusive com aulas de português para os ajudar no aprendizado do idioma que facilitaria suas futuras buscas por emprego, deu esperanças ao casal.

A organização Compassiva, parceira do ACNUR, possibilita que refugiados tenham acesso ao processo de revalidação de diplomas no Brasil, o que lhes garantirá a oportunidade de buscar empregos qualificados e dar continuidade aos seus estudos. Foto: ACNUR/Gabo Morales

“Não é apenas um pedaço de papel” diz André Leitão, presidente executivo da Compassiva. “Revalidar o diploma é o primeiro passo para que essas pessoas possam recuperar a sua dignidade, a sua identidade”.

A ONG já ajudou cerca de 60 refugiados a aplicar os formulários necessária, sendo que 20 já tiveram seus diplomas revalidados. Quando o programa começou, em 2016, 90% dos pedidos eram de sírios, em sua maioria engenheiros, médicos e dentistas. Atualmente, os sírios compõem cerca de 50%, dos refugiados atendidos, já que refugiados de outras nacionalidades também começaram a requisitar o serviço financiado pela Agência da ONU para Refugiados.

Algumas semanas após a entrada do pedido, a espera do casal terminou e seus diplomas foram revalidados. Na sequência, Salim e Salsabil estavam vendendo comida síria em um evento promovido pela Compassiva quando um executivo da empresa Jadlog perguntou à ONG se eles conheciam algum farmacêutico responsável. Para Salim, foi sorte estar lá naquele dia, mas seu atual chefe afirma que foi sua competência como farmacêutico que garantiu o seu emprego.

“Ele estudou por cinco anos para ser farmacêutico e, por causa do que aconteceu em sua país, ele teve que vir ao Brasil”, diz Genivan Borges, dono da franquia da JadLog onde Salim trabalha exercendo sua profissão de carreira.

“Se você fechar as portas (aos refugiados) e disser não, você pode perder uma grande oportunidade. Para mim, essa oportunidade foi encontrar o Salim. Ele é um profissional excelente”.

O trabalho de Salim é tão notório que a própria Jadlog está buscando para ele uma outra vaga, no período verspertino, em uma farmácia para que Salim também tenha essa experiência em seu currículo. Além disso, a empresa prevê oferecer a Salsabil a próxima vaga que abrir para uma farmacêutica.

Enquanto a filha Jury, agora com seis anos, está na escola pela manhã, os outros dois filhos do casal nascidos no Brasil – Walid, de três anos, e Yasmin, de apenas oito meses – ainda estão em casa com sua mãe. Ela pretende aceitar a oferta da JadLog para trabalhar fora de casa quando todas as crianças estiverem na escola.

Neste momento, a família está feliz por residir em um país que não só os acolheu, mas que também possibilitou que reconstruíssem suas vidas com dignidade.

“Vários países têm paz. Eu poderia ter achado isso em outros lugares” diz Salim. “Mas eu não encontrei apenas paz aqui no Brazil. Eu encontrei um futuro”.

Por Jill Langlois, de São Paulo.