Universidades brasileiras ampliam em 50% a entrada de refugiados no ensino superior
SANTOS, 29 de setembro de 2017 (ACNUR) – No último ano, as universidades que integram a Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSMV) no Brasil expandiram em 50% os processos que facilitam a entrada de pessoas refugiadas no ensino superior. Segundo levantamento feito pelo ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) junto a estas universidades, já são nove as que oferecem este tipo de procedimento – eram seis em 2016. No total, estas universidades oferecem mais de 100 vagas em diversos cursos e níveis (gradução e pós-graduação).
O levantamento foi divulgado durante o VIII Seminário Nacional e II Conferência Latino-Americana da CSVM, encerrado na semana passada em Santos. Atualmente, 17 universidades brasileiras (públicas e privadas) integram a Cátedra. O seminário e a conferência foram realizados na Universidade Católica de Santos (UniSantos) e a íntegra do levantamento está disponível aqui.
O estudo reafirma o papel fundamental da academia brasileira no processo de acolhida, integração e formação da população em situação de refúgio no país. A facilitação do ingresso de refugiados, por exemplo, é um componente importante da integração desta população no Brasil e em todo o mundo. Segundo dados do relatório do ACNUR “Left Behind: Refugee Education in Crisis” (disponível em inglês pelo site www.unhcr.org/left-behind) apenas 1% dos refugiados em todo o mundo tem acesso ao ensino superior, enquanto que a média geral da população mundial é de 36%.
Além do acesso facilitado, as instituições de ensino superior que integram a CSVM promovem uma série de iniciativas complementares que contribuem para o processo de integração e desenvolvimento das pessoas em situação de refúgio: oferta gratuita de cursos de português, assistência jurídica e psicossocial, revalidação de diplomas, entre outros temas fundamentais. Como resultuado, cerca de 1.000 atendimentos à população refugiada e imigrante são contabilizados a cada mês, facilitando a acolhida e o bem-estar dessas pessoas.
Outro importante indicador diz respeito ao precedimento de revalidação de diplomas. Isso porque, com diplomas revalidados, as pessoas refugiadas encontram mais oportunidades de integração laboral, tendo melhores chances de alcançar auto-suficiência e se integrar localmente. Em 2016, enquanto três universidades conveniadas à CSVM atuavam neste sentido, em 2017 já são quatro – e outras cinco estão prestes a adotar este procedimento.
Além da prestação de serviço à população refugiada, a CSVM promove ações nos campos de ensino, pesquisa e extensão voltadas aos brasileiros e estrangeiros que estão matriculados no ensino superior. Em 2017, cerca de 1.000 estudantes cursaram disciplinas sobre direito das pessoas refugiadas ou estiveram engajadas em atividades de extensão acadêmica. Há atualmente 16 grupos de pesquisa entre estas universidades que contribuem para a geração de dados, divulgação e promoção de temas ligados a proteção das pessoas refugiadas – em 2016 eram 13 grupos.
Como exemplo das articulações propiciadas pela rede da CSVM e da consequente geração de dados, uma importante pesquisa sobre o perfil sociodemográfico e laboral dos venezuelanos que se encontram em Roraima foi lançado nesta semana, uma parceria entre ACNUR, a CSVM na Universidade Federal de Roraima (UFRR), o Observatório de Migrações Internacionais (ObMigra) e o Conselho Nacional de Imigração (CNIg). O material está disponível em disponível em goo.gl/ejT88b. Entre outros dados, a pesquisa revelou que um perfil jovem, majoritariamente masculino e com boa escolaridade.
O VIII Seminário Nacional e II Conferência Latino-Americana da CSVM realizada na semana passada na UniSantos reuniu em sua programação temas transversais das áreas do direito, ciências sociais, saúde, empreendedorismo, ciências humanas e psicologia, envolvendo profissionais e pesquisadores brasileiros e internacionais em sua programação que se estendeu ao longo de três dias.
“Foi uma grande satisfação realizar o evento deste porte na Universidade Católica de Santos, comemorando os 10 anos de implantação da Cátedra Sergio Vieira de Mello nesta universidade. Tal histórico reflete o pioneirismo da UniSantos, tendo sido a primeira a estabelecer um programa de bolsa integral durante toda a duração do curso para estudantes refugiados, além de ter um vestibular especifico para o ingresso dos mesmos na instituição”, disse Liliana Jubilut, professora e coordenadora da CSVM na UniSantos.
Além da extensa programação de debates, os intervalos entre as palestras e mesas de painéis foram marcados por momentos de proximidade à realidade das pessoas refugiadas. Em parceria com o Google Brasil, o ACNUR possibilitou uma experiência em realidade virtual sobre a vida de uma criança refugiada síria. Além disso, os alunos do curso de gastronomia da UniSantos propiciaram aos presentes a atividade cultural “Sabores e Refúgio”, servindo petiscos típicos de diferentes países.
Prêmio – O evento se encerrou com a premiação das teses de doutorado e dissertações de mestrados acolhidos como referenciais dentro do campo de pesquisa das migrações forçadas. No total, 10 dissertações e oito teses foram submetidos ao evento, além de 87 resumos de 30 diferentes instituições, o que significa uma representação diversa e que se amplifica a cada ano.
Aliás, no próximo ano, o seminário da CSVM será realizado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), que estará integrado ao congresso de ciências sociais “Hospitalidade, Refúgio e Migrações”, como destaca o professor e coordenador da CSVM desta Universidade, José Antônio Peres Gediel.
“A UFPR tem dois diferenciais fundamentais. Um no campo das políticas para fora, como a participação no Conselho Estadual para Migrantes e Apátridas; no Fórum de Trabalho e Migração; e na articulação da Rede de Refugiados e Migrantes, permitindo que a UFPR contribua com seu conhecimento para formulação de políticas públicas. Para dentro, temos trabalhado com a oferta de cursos de português para estrangeiros que, em 2016, já tem 460 pessoas matriculadas de diferentes nacionalidades; e a reinserção de pessoas que tiveram que abandonar seus cursos universitários, como no caso dos sírios”, afirma Gediel.
Em 2017, a estudante de arquitetura Lucia Loxca, refugiada síria que abandonou seu pais quando cursava o terceiro ano de arquitetura, conquistou sua graduação na UFPR e se tornou uma referência para toda a comunidade acadêmica. Do total das universidades que integram a CSVM, sete oferecem bolsas de estudos para pessoas em situação de refúgio.
Dessa forma, a rede da CSVM atua de forma inclusiva e assertiva na proteção e integração de refugiados, tanto localmente, onde a universidade está inserida, como nacionalmente, contribuindo para a formação de saberes e profissionais com amplo repertório de habilidades, conhecimentos e culturas.
O projeto da Cátedra Sérgio Vieira de Mello é uma iniciativa do ACNUR que visa difundir os conhecimentos em torno do tema do refúgio, promovendo a formação acadêmica de estudantes, a capacitação de professores e a inclusão de pessoas refugiadas como uma forma de integração e amplo potencial de desenvolvimento tanto para a pessoa em si como para o país que a acolhe.
De acordo com Alexander Betts, professor da Universidade de Oxford e que palestrou no seminário por videoconferência, esta é justamente a visão que as diferentes universidades e sociedades precisam se atentar, para enxergar a pessoa refugiada não como mera parte de uma estatística, mas sob a perspectiva do quanto elas podem contribuir para o desenvolvimento pleno de um país.
“Os refugiados não podem ser vistos como coitados, pois dessa forma se subestima todo o potencial de agregar novos conhecimentos e inovações que as pesquisas que realizamos em diferentes partes do mundo vem a provar”, disse Betts.
Para que possam mostrar o seu valor, basta que oportunidades lhes sejam propiciadas, ação esta comum em toda a rede de universidades que integram a Cátedra Sergio Vieira de Mello do ACNUR. Mais informações sobre a CSVM podem ser obtidas aqui.
Por Miguel Pachioni, de Santos/SP.