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Livro reúne boas práticas do atendimento a refugiados na saúde pública do Rio de Janeiro

Lançado pela Secretaria Municipal de Saúde, "Recomeço" traz relatos de refugiados e de profissionais de saúde, além de iniciativas desenvolvidas em parceria com a Cáritas RJ.

RIO DE JANEIRO, 11 de outubro de 2017 - Recomeço. Uma palavra tão importante e repleta de significados para os refugiados, agora serve de inspiração para profissionais de saúde do Rio de Janeiro. Afinal, esse é o título do livro lançado, no último dia 10 de outubro, pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio (SMS), com o registro do trabalho realizado no atendimento a refugiados e solicitantes de refúgio residentes na cidade.

A obra, que traz relatos e histórias tanto dos estrangeiros quanto dos profissionais que estão na linha de frente dos atendimentos, não apenas lança luz sobre os desafios desse trabalho como aponta caminhos e boas práticas, desenvolvidas em parceria com a Cáritas do Rio de Janeiro, para sensibilizar equipes e gestores públicos e, assim, qualificar ainda mais o acesso dos refugiados aos serviços públicos de saúde.

Celebrado com um seminário no Museu do Amanhã, o lançamento de "Recomeço" contou com a presença do Secretário Municipal de Saúde, Marco Antônio de Mattos, que ressaltou o direito dos refugiados e solicitantes de refúgio de acessar os equipamentos de saúde pública no Brasil.

"Esta ação da Secretaria Municipal de Saúde junto à Cáritas espelha o SUS que nós queremos, ao reafirmar um compromisso com a saúde pública", disse o secretário. "É o SUS da integralidade, do acesso universal e da equidade. Você não precisa ser carioca ou brasileiro para ser acolhido e ter uma atenção integral na saúde. Todos aqueles que vivem aqui têm direito, segundo o SUS, ao atendimento público".

"Recomeço" é resultado de quase três anos de parceria entre a SMS e o Programa de Atendimento a Refugiados da Cáritas RJ, que teve início com a participação de profissionais de saúde da rede municipal nas rodas de conversa realizadas pela instituição com grupos de mulheres. A partir desses encontros, diversas demandas foram identificadas, e a Secretaria percebeu a necessidade de qualificar o atendimento oferecido nas unidades e explicar aos refugiados como se organizava o sistema de saúde na cidade, em seus níveis de atendimento e divisões territoriais.

Segundo a coordenadora de Integração Local da Cáritas RJ, Debora Alves, era comum que os refugiados fossem à instituição quando se sentiam mal, em busca de atendimento médico. "Tínhamos que orientá-los a procurar a unidade de saúde mais próxima de casa. Hoje, com o trabalho realizado junto à Secretaria, os refugiados compreendem onde encontrar cada serviço que lhes é de direito, e quase ninguém chega com essa questão. Isso mostra que nossa parceria está dando certo".

Já Mireille Muluia, refugiada congolesa que trabalha na Cáritas RJ como agente de Integração Local, fazendo a ponte entre os refugiados e os profissionais da instituição, descreve no livro as consequências positivas dessa aproximação das equipes de saúde. "Muitas mulheres como eu participam das atividades e estão aprendendo bastante. Várias delas tinham problemas de saúde, mas não estavam conseguindo ser atendidas, mas, graças a essas atividades e a esse contato, já fizeram exame ou cirurgia e agora estão bem".

O livro “Recomeço” destaca ações como a adequação do tempo das consultas, o uso de recursos de tradução, diálogos sobre diferenças culturais e reuniões com gestores. Foto: © ACNUR/ Diogo Felix

Além das rodas de conversa, o trabalho conjunto resultou em feiras de saúde realizadas na sede da Cáritas RJ, oferecendo vacinação, orientação sobre higiene bucal, doenças sexualmente transmissíveis (DST) e referenciamento para a unidade de saúde de cada pessoa. Com os profissionais de saúde sensibilizados a partir dessas iniciativas e de conversas com a Cáritas RJ, o atendimento nos postos e clínicas também mudou. O livro da SMS destaca ações como a adequação do tempo das consultas, o uso de recursos de tradução, diálogos sobre diferenças culturais e reuniões com gestores.

Organizadora da obra, Marina Rotenberg, da Superintendência de Promoção da Saúde, disse que um dos objetivos de "Recomeço" era justamente compartilhar a metodologia e a tecnologia social desenvolvidas pela SMS nesse trabalho. "Esperamos que o livro possa contribuir para informar os profissionais da rede municipal de saúde sobre o tema e sensibilizá-los para que se aproximem dessa população. Esse acolhimento humanizado que a atenção primária prevê requer um olhar para o outro, uma sensibilidade para o que é diferente e para a garantia de direito. Por isso, utilizamos as falas e as fotos dos próprios refugiados".

Os relatos, como o da congolesa Christine Kamba, sobre o parto do filho no Brasil, ou o da compatriota Eugénie Kipoy, a respeito da orientação para planejamento familiar, aparecem na primeira pessoa e incluem um pouco da história de cada um. A venezuelana Maria Elena, por exemplo, faz uma descrição tocante da sua saída do país e das consequências desse deslocamento para a sua saúde mental. Todos, porém, compartilham um pouco das suas experiências com o SUS, como o marroquino Chaoui Houssame, que passou por um atendimento odontológico.

Entre uma história e outra, aparecem também relatos de profissionais de saúde, que ilustram o esforço de promover o acesso da população refugiada às ações e aos serviços do SUS. Felipe Fernandes, gerente administrativo da Clínica da Família Heitor dos Prazeres, localizada em Brás de Pina, bairro que concentra grande número de refugiados da República Democrática do Congo, explica que a unidade entendeu a importância de se compreender e levar em conta a cultura dos refugiados no atendimento. Para isso, ele conta, sua equipe identificou um pastor que era uma referência na comunidade congolesa e decidiu ir ao culto, num domingo.

"Lá pudemos nos aproximar e ver como era a cultura deles", relata o gerente no livro. "E tivemos um momento para falar sobre o nosso trabalho, a oferta de serviços, a importância da saúde da mulher, da criança, do homem. No final, todos nos procuraram e tiraram dúvidas. Na semana seguinte, a unidade já estava lotada de congoleses".

O livro destaca também o lançamento das versões em inglês e francês da Caderneta do Usuário da SMS, no final de 2015. O documento, traduzido do português pelo ACNUR, traz informações sobre a unidade básica de saúde de referência do usuário, de acordo com seu local de residência, possibilita um controle dos agendamentos e consultas realizadas e inclui uma seção sobre os direitos do cidadão.

"Recomeço" é também um novo ponto de partida para os profissionais da rede pública de saúde do Rio de Janeiro. Um guia para uma nova maneira de enxergar e atender os refugiados, minimizando as barreiras da língua e da cultura e superando as lacunas desse contato, como o desconhecimento do tema e da documentação das pessoas atendidas. Pelas palavras do secretário Marco Antônio de Mattos, o Rio de Janeiro está comprometido com a saúde da população refugiada.

"Este trabalho deve continuar e tem todo o apoio da Secretaria Municipal de Saúde. Temos que olhar para frente, construir mais e nunca retroceder, sobretudo com aqueles que estão mais vulneráveis".

O livro "Recomeço" será distribuído aos profissionais da rede municipal de saúde, mas a versão digital está disponível para download no site www.elosdasaude.com.br.

Por Diogo Felix, do Rio de Janeiro.