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Crises de refugiados do passado trazem lições valiosas para os dias atuais

Em um diálogo sobre o compartilhamento das responsabilidades por refugiados, governos, organizações internacionais, especialistas e outros refletem sobre as respostas em crises anteriores no Kosovo*, Guatemala e Vietnã.

GENEBRA, 10 de julho de 2017 – Em uma tarde de primavera, paramilitares foram à casa de Emin Voca, no Kosovo*, e avisaram seu pai para que fosse embora. “Eles disseram: ‘você precisa ir amanhã pela manhã, caso contrário, será morto’. Estávamos apavorados”, lembra-se Voca, que tinha apenas 10 anos de idade e na época frequentava o ensino fundamental na escola de Mitrovica, sua cidade.

Embarcados em um ônibus, a família integrava longas filas formadas por civis que fugiam a pé, carro e caminhões, e se aproximavam à fronteira sul em uma tentativa desesperada de escapar do conflito do Kosovo, em abril de 1999.

Depois de um tenso impasse na cidade fronteiriça Voca, permitiram que seus pais e sua irmã cruzassem para a antiga República Iugoslava da Macedônia, onde eles passaram um mês vivendo sob tendas no campo de Stenkovec II, localizado a quilômetros de Skopje.

Por fim, Voca e sua família foram mandados para a Itália por meio do programa conhecido Humanitarian Evacuation Programme, ou HEP. Este programa observou a comunidade internacional reunir-se para compartilhar a responsabilidade de cuidar de dezenas de milhares de kosovenses que haviam procurado refúgio na antiga República Iugoslava da Macedônia, que concordou em admitir refugiados à medida em que alguns seriam enviados para outros países.

“Eles nos deram roupas, comida e, o mais importante, segurança”, conta Voca, atualmente com 28 anos, sobre o auxílio que a família recebeu em Comiso, Sicília. “Minha família ficou muito grata à comunidade internacional por causa disso”. 

Refugiados do Kosovo * chegam em Blace, na antiga República jugoslava da Macedônia, em março de 1999. © UNHCR / Roger LeMoyne

O HEP realocou temporariamente cerca de 96 mil kosovenses em 29 países ao redor do mundo para garantir sua segurança. Esse é um dos exemplos de responsabilidade compartilhada que será analisado em uma conferência em Genebra a partir de hoje (10).

O encontro de um dia entre oficiais do governo, organizações internacionais, ONGs, acadêmicos e outros especialistas, será o primeiro de cinco discussões temáticas que acontecerão enquanto o ACNUR, a Agência da ONU para refugiados, lidera o processo para desenvolver o Pacto Global para Refugiados.

No ano passado, o Alto Comissário da ONU para Refugiados recebeu esta tarefa durante a histórica Declaração de Nova York sobre Refugiados e Migrantes durante a Assembleia Geral da ONU.

“No momento em que enfrentamos números recordes de deslocamento forçado no mundo, é importante lembrar ocasiões em um passado não tão distante nas quais a comunidade internacional se uniu e encontrou soluções que salvaram vidas para situações de refugiados aparentemente complexas", disse Volker Türk, Alto Comissário Adjunto para Proteção do ACNUR. "Nós fizemos isso antes, e podemos fazer novamente". 

 

América Central: voltar para casa em paz.

O programa HEP é apenas um dos exemplos desse tipo de cooperação. Na América Central, um acordo estabelecido no final da década de oitenta possibilitou que centenas de milhares de pessoas deslocadas por conflitos interligados em El Salvador, Nicarágua e Guatemala encontrassem soluções duradouras.

O programa ajudou alguns a se integrarem aos países onde solicitaram refúgio, outros a serem reassentados em países terceiros e 134 mil a voltarem para seus países de origem – entre esses, uma indígena da etnia Poptí Mayan chamada Eulalia Elena Silvestre Hernandez.

No ápice da terrível guerra civil da Guatemala em 1982, quando ela tinha apenas 7 anos, Eulalia fugiu da comunidade em que vivia localizada ao nordeste da Guatemala depois que soldados jogaram gasolina nas casas locais e atearam fogo enquanto os residentes dormiam. 

Mulheres retornadas na Guatemala em 1994. © UNHCR / Trygve Bølstad.

A salvo, porém, temendo por suas vidas, Eulalia e sua família passaram os 13 anos seguintes no México. Mas o apoio da Conferência Internacional sobre Refugiados da América Central, ou CIREFCA por suas siglas em espanhol, permitiu que eles retornassem à Guatemala em 1995.

“Nos organizarmos para voltar nos permitiu alcanças muitas coisas”, disse Eulalia, atualmente com 45 anos e ativista comunitária em Petén, que conseguiu retomar a prática da agricultura. “Agora temos um pedaço de terra. Acho que a maioria das mulheres, ao menos na nossa família, tem um terreno”.

CIREFCA gerou uma forte conexão entre paz e desenvolvimento oferecendo apoio em projetos de infraestrutura em pequenas comunidades, ajudando a estabelecer confiança entre os refugiados prontos para voltarem para casa.

Proteção para refugiados vietnamitas

A mais de meio mundo de distância, no Sudeste Asiático, um semelhante esforço colaborativo para lidar com o aumento da quantidade de barcos da Indochina, no final dos anos 1980, foi fundamental para desfazer um empasse que ameaçava a vida de milhares de pessoas.

Diante de um crescente número de chegadas e enorme relutância dos governos ocidentais para manter as oportunidades de reassentamento, os governos da região ameaçaram impedir novas entradas. Em resposta, o Comprehensive Plan of Action (CPA) foi assinado em 1989, reunindo compromissos assumidos pelos países de origem, refúgio e reassentamento. Isso incluía um programa para oferecer segurança, formas organizadas e legais para as pessoas irem embora, proteção temporária aos recém-chegados ao Sudeste Asiático e reassentamento para refugiados em outros países. Aqueles que não eram considerados refugiados, recebiam aconselhamentos e assistência econômica para sua reintegração em seus países de origem. 

Barco à deriva no mar da China Meridional em maio de 1987. © UNHCR / Pascal Deloche.

Thanh Dang, um arquiteto de Saigon, estava entre as 63 pessoas que embarcaram no navio para deixar o Vietnã em junho de 1989. Depois de passar uma semana no mar, a embarcação lotada chegou à Indonésia, e Dang foi parar no campo de refugiados de Galang. Sob o CPA, ele foi categorizado como refugiado e em seguida reassentado nos Estados Unidos, onde se tornou designer e trabalhou em escolas e hospitais em Atlanta, Georgia.

Olhando para trás e considerando a vida que o programa lhe proporcionou, ele faz um apelo entusiasmado à comunidade internacional e cidadãos comuns que lidam com as múltiplas crises de refugiados de hoje.

“Coloquem-se no lugar dos refugiados. Eles são pessoas normais. Ninguém quer ser arrancado de sua vida e ter que enfrentar um futuro cheio de incertezas”, ele diz.

“Se você oferecer uma chance para eles reconstruírem suas vidas, os refugiados irão contribuir com a comunidade em que vivem. Por favor não tenham medo deles, recebam-os”.

* Security Council Resolution 1244 (1999)