Tamanho do texto A A A

Bonecas de pano dão vida aos contos de uma Síria devastada pela guerra

Família de Beirute promove projeto que possibilita que refugiados sírios confeccionem bonecas para compartilhar histórias, memórias e sonhos.

BEIRUTE, Líbano, 31 de março de 2017 (ACNUR) – Dentro de um dos incontáveis edifícios do campo de refugiados de Shatila, Amina, uma refugiada síria de 56 anos, borda meticulosamente escamas de peixe em um tecido de algodão.    

Uma fina parede de concreto separa ela da confusão que acontece no campo de refugiados palestinos, localizado nos subúrbios do sul de Beirute, que tem recebido pessoas refugiadas da Síria desde que o conflito começou no país em 2011.

“Estou bordando um peixe. Ele representa o sonho que uma família tem de viajar”, conta Amina. “Eles têm uma filha pequena que tem medo de viajar. Por quê? Porque ela tem medo de se afogar no mar e de ser comida por peixes”.

Em abril deste ano, a família Mousalli – composta por um pai libanês, uma mãe síria e suas filhas, Marianne e Melina – decidiram trazer para mais perto os sonhos e histórias das mães sírias que vieram da cidade de Alepo, devastada pelo conflito.

“Cada boneca leva o nome da pessoa cuja história ela representa.”

Um parente que mora na Síria envia histórias de pessoas que vivem por lá, eles transformam em desenhos, e mulheres refugiadas sírias os bordam em bonecas de algodão.

“Cada boneca leva o nome da pessoa cuja história ela representa”, disse Marianne, enquanto segurava uma das bonecas. “Esta é Adreyeh. Ela vem de Alepo. O seu filho Hassan sonha em reconstruir sua casa na cidade, então bordamos sua casa dos sonhos aqui”.

Intitulado “A coleção Ana - a palavra `Ana´ quer dizer `Eu´ em árabe – o projeto procura, por meio da arte, tratar o sofrimento oculto em um país devastado pela guerra.

“Hoje a maioria das coisas que vemos na televisão foca na ideia de guerra na Síria”, explicou Marianne. “Muitas vezes esquecemos que há pessoas que ainda vivem lá e que têm histórias para contar. Não é que as pessoas não se importem, mas veem uma grande guerra, não veem indivíduos”.

O projeto levou à criação de duas coleções - `Dentro de Alepo´ e `A Coleção de Festividades´, onde crianças de Alepo expressavam seus desejos para o Natal. Agora, estão trabalhando em uma terceira coleção, `Histórias de Beca´, que trata dos sonhos e histórias dos refugiados vivendo no Vale do Beca, no leste do Líbano.

“Muitas pessoas compram essas bonecas para seus filhos”, explica Marianne. “Quando uma criança carrega uma boneca chamada Hamida, seus pais lhe dizem “Hamida tem sua idade, ela quer voltar para casa e brincar com os amigos´. Eles se identificam com mais facilidade”.

O Líbano está abrigando atualmente mais de um milhão de refugiados sírios registrados, quase um quinto da população total. Como resultado, o pequeno país tem a maior proporção de refugiados do mundo.

Além de trazer à luz as vítimas esquecidas da guerra de seis anos, o projeto ajuda a criar um “círculo virtuoso de empoderamento”, explicou Marianne.

“O projeto permite que refugiados ajudem outros refugiados e deslocados internos na Síria.”

“As pessoas sabem que se compram a boneca Salma, elas vão ajudar a verdadeira Salma que está na Síria, que o dinheiro da venda será destinado para ela”.

O preço da boneca varia de 25 a 65 dólares, depende do tamanho. As arrecadações vão para as mães e as crianças que estão por trás das histórias e cobre em parte o custo de produção e do trabalho das 80 mulheres que estão bordando no Líbano.

“O projeto permite que refugiados ajudem outras pessoas refugiadas e deslocados internos na Síria”, Marianne acrescentou.

Refugiados sírios no Líbano, como Amina, acreditam que o projeto também ajudou a aprimorar suas habilidades. “É um bom ofício, ” disse Amina. “Ensinei à minha cunhada e sobrinha, elas bordam em casa agora”.

Desde o início do projeto, mais de 1.500 bonecas com 48 histórias foram vendidas em países como o Líbano, Kuwait, França e Austrália. A etiqueta de cada boneca carrega a mensagem que Marianne quer passar todos os dias, em nome de todas as mães sírias: “Eu protejo os sonhos dos meus filhos”.