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Refugiados enfrentam jornadas desesperadoras para reencontrar familiares na Europa

Um menino de dez anos de idade sobreviveu a travessias no deserto e no oceano e conseguiu chegar à Europa. Entretanto, sua esperança de se reunir com sua tia na Holanda parece cada vez mais distante.

MILÃO, Itália, 28 de agosto de 2017 – Solomon* tinha apenas 10 anos de idade quando foi forçado a fugir de sua casa na Eritreia. Agora, aos 14 anos, tem vivido sozinho nas instalações de um centro de trânsito por meses. Ele é uma das cerca de 11.400 crianças desacompanhadas que chegaram à Itália pelo mar desde janeiro de 2016. Muitos passaram por uma grande quantidade de abusos em sua jornada, inclusive sexuais e de gênero, e foram forçados a lidar sozinhos com atos de violência psicológica e física.

Enquanto viajava pelo Sudão e pela Líbia, na esperança de chegar à Europa, Solomon foi frequentemente explorado por contrabandistas. “Fomos vendidos no Saara e depois novamente na Líbia, onde ficamos por sete meses”, ele conta. “Foi muito, muito difícil. Você pensa em desistir da sua vida. Eles nos fazem pagar muito dinheiro. Uma pessoa te compra e, em seguida, outra te vende”.

Na Líbia, ele ficou retido por contrabandistas por um mês. Ele vivia em um quarto, com diversos outros refugiados e migrantes, onde recebia pouca comida e era agredido todos os dias. Quando Solomon e o restante do grupo finalmente embarcaram em um bote rumo à Itália, foram amontoados junto com centenas de outras pessoas. “Havia 900 pessoas no bote”, Solomon recorda. “Zarpamos à noite, por volta das 18 ou 19 horas. Foi muito difícil – o mar estava revolto, as pessoas se agrediam, algumas morreram, por ansiedade ou pelas agressões. Muitas pessoas morreram. Foi assustador, mas o que podemos fazer quando não temos escolha? Não adianta ter medo, pois cedo ou tarde, você vai ter que realizar a travessia”.     

Após passar dois dias no mar, o barco de Solomon foi resgatado e levado para a Itália, onde foi conduzido para um centro comunitário para crianças desacompanhadas.

Apesar de estar finalmente salvo, Solomon ainda esperava ser reunido com sua tia na Holanda. Assim como inúmeros outros que são forçados a se separar de seus entes queridos, longos períodos de espera o forçaram a ter que resolver a situação por conta própria mais uma vez, expondo-se a abusos, violência e explorações.

“Crianças não deveriam se expor a esses tipos de risco”, diz Stephane Jaquemet, representante regional do ACNUR para o sul da Europa. “O processo de reunião familiar entre fronteiras precisa melhorar, não apenas para impedir esses perigos, mas também para restabelecer a esperança e a confiança em crianças como Solomon”.

"Foi muito difícil", diz Salomão. “Você pensa em desistir da sua vida". © UNHCR / Alessandro Penso.

Solomon partiu durante a noite junto com outros adolescentes, carregando apenas uma mochila e uma lanterna, seguindo os trilhos do trem e correndo diversos riscos. A jornada chegou ao fim quando a polícia fronteiriça os prendeu e mandou-os de volta para a Itália. Hoje, Solomon continua aguardando para ser reunido com sua tia.

Um relatório publicado pelo ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, aponta que diversas pessoas como Solomon fazem essa desesperada e perigosa jornada, em parte, devido à falta de alternativas legais e seguras.

O estudo concluiu que, ainda que o número total de travessias no Mediterrâneo tenha caído bruscamente no primeiro semestre deste ano, em comparação ao mesmo período em 2016, a probabilidade de morte entre as pessoas que tentam chegar à Europa ainda é alarmantemente alta. O relatório estima que cerca de 2.253 pessoas tenham morrido ou desaparecido no mar nesse período, e que ao menos 40 pessoas tenham perdido suas vidas em rotas terrestres em fronteiras europeias ou em áreas próximas. Como a maior parte das pessoas viaja de forma clandestina, é difícil confirmar esta informação, e estas estimativas são consideradas moderadas. Violência e abusos ao longo da jornada, particularmente na Líbia, são frequentes.

O ACNUR tem solicitado aos países para simplificar os procedimentos demasiadamente longos e morosos para as pessoas que querem se reunir com seus familiares. A agência também está encorajando os países a otimizarem o tempo de realocação na Itália para solicitantes de refúgio elegíveis.

Apesar do alto número de solicitantes de refúgio elegíveis, assim como Solomon, apenas alguns poucos e isolados casos de realocação de menores na Itália foram bem-sucedidos. Para solucionar essa situação, são necessárias medidas específicas para crianças desacompanhadas, além de um compartilhamento de responsabilidade mais efetivo e mais solidariedade entre os países-membros da União Europeia.

“Tomar medidas para reduzir o número de refugiados e migrantes que estão chegando na Europa, sem ao mesmo tempo promover processos de paz e desenvolver caminhos seguros, é moralmente inaceitável", disse o Alto Comissário para Refugiados, Filippo Grandi, em um comunicado.

 *O nome foi alterado para proteger o entrvistado.