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Refugiados na Áustria anseiam reencontrar familiares

Campanha promovida pelo ACNUR incentiva que o processo de reunião familiar se torne mais fácil na Áustria, onde obstáculos técnicos e legais podem manter famílias separadas.

VIENA, Áustria, 03 de abril de 2017 – Ziad Asaad e Kholoud Al-Nadir fizeram um grande e tradicional casamento palestino no campo de refugiados em que viviam na Síria. Ziad conseguiu refúgio na Áustria. Ele espera em breve se reunir com sua noiva para que possam enfim viver como marido e mulher.

“Eu penso nela todos os dias”, ele disse com um suspiro. “O que posso fazer? Vou para as minhas aulas de alemão e tento me concentrar”.

Ziad, 21 anos, e Kholoud, 25 anos, fazem parte da campanha do ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, para facilitar o processo de reunião familiar de refugiados. “Permitir que as famílias permaneçam juntas evitará jornadas perigosas e irregulares, e aumentará suas chances de integração. Pessoas felizes tornam-se bons cidadãos”, afirmou Christoph Pinter, chefe do escritório na Áustria. Entretanto, lacunas legais e dificuldades técnicas fazem com que algumas famílias continuem separadas.

O ACNUR preocupa-se com o fato de que na Áustria, enquanto as pessoas que já receberam o status de refugiados podem solicitar reunião familiar imediatamente, aqueles com status de “proteção complementar” podem ter que esperar até três anos. Essa diferença de tratamento desconsidera o fato de que refugiados e beneficiários de proteção complementar compartilham as mesmas necessidades humanitárias.

Um exemplo prático deste obstáculo seria o fato de Ziad viver só em Viena enquanto Kholoud não consegue sair de Al-Shih, um campo de refugiados próximo de Damasco.

A lei austríaca afirma que os membros das famílias devem submeter seus pedidos de reunião familiar no prazo de três meses depois de terem recebido o status de refugiados. Kholoud perdeu o prazo, mas não foi por culpa dela. Conflitos entre rebeldes e o exército sírio impediram que ela saísse do campo para encontrar oficiais consulares austríacos a tempo. Até que o caso deles seja resolvido, Ziad e Kholoud mantém o relacionamento vivo trocando mensagens pelo Whatsapp ou Viber.

Ziad encontrou segurança e refúgio na Áustria, mas está espera se reunir com sua noiva, Kholoud, para que possam retomar sua vida de casados. © ACNUR / Gordon Welters

Ahmad Mansour, 36 anos, motorista de caminhão de Homs, na Síria, também depende de seu celular para fazer contato da Áustria, onde vive, com seus familiares que estão no Líbano. Esse contato é tão importante que ele abriu mão de um tratamento odontológico para conseguir comprar o telefone móvel. “Nos falamos toda a hora”, ele nos contou.

Os Mansour estão juntos agora, vivendo na cidade de Gaweistal, na região da Baixa Áustria, porém, as complicações no processo de reunião familiar foram além do esperado.

Ahmad e sua esposa Sara Al-Said, 31 anos, não estão criando apenas os seus três filhos Feras, 11 anos, Nabil, 10 anos e Soheib, 3 anos, mas também seus sobrinhos Abdallah, 17 anos e Mostafa, de 15.

“Foi uma história romântica”, conta Ahmad. “Os irmãos da família Mansour cortejavam as irmãs Al-Saids. Eu me casei com Sara, e meu irmão com Nadakh, a irmã dela”.

Infelizmente, Mohamad, Nadakh e o filho deles de seis anos morreram em um bombardeio na Síria. Porém Abdallah e Mostafa sobreviveram. Ahmad e Sara acolheram os sobrinhos e os tratam como se fossem seus filhos, porém, não possuem papéis de adoção para formalizar a situação.

“Meus sobrinhos são como filhos para mim”, disse Ahmad. “Jamais aceitaria um ‘não’ como resposta. Não existia a menor possibilidade de deixá-los para trás”.

Perante a lei austríaca, apenas o núcleo familiar constituído pela esposa e filhos menores de 18 anos são elegíveis para a reunião. Graças à mediação do ACNUR, foi encontrada uma solução que atendesse a essência da lei. Os sobrinhos foram trazidos para Áustria por meio de um programa de reassentamento, enquanto Sara e seus filhos vieram por meio dos canais legais de reunião familiar.

Ahmad veio sozinho para a Áustria, via Turquia, Grécia e os Balcãs em junho de 2015. Os sobrinhos chegaram de Beirute em março de 2016, e em seguida Sara chegou com seus filhos em junho de 2016. O processo poderia ter sido muito mais ágil se houvesse um entendimento mais inclusivo sobre a definição de família.

“Ficamos separados por um ano inteiro”, diz Ahmad. “Eu já estava ficando louco, mas quando os meus sobrinhos chegaram, eu comecei a sentir que as coisas iriam ficar bem”.

Os Mansour deixaram uma grande família e algumas tristes memórias lá na Síria, mas já é possível perceber a alegria deles por terem um novo lar.

“Eu digo aos meus filhos que, apesar de tudo que passamos, precisamos olhar em frente agora, diz Ahmad.

Ahmad está procurando trabalho, Sara, graduanda em psicologia e ex-professora, está aprendendo rápido o alemão, e todas as crianças, com exceção de Abdallah, o mais velho, estão indo para escola.

Abdallah, que já passou da idade escolar, sonha em ser ator. 

O caçula da família extensa, agora reunida na Áustria, desfruta de uma refeição com sua mãe e primo. © ACNUR / Gordon Welters

Esse riso inofensivo e a vida familiar normal permanecem fora do alcance de Ziad e Kholoud. Ambos os palestinos, eles nasceram como refugiados.

“O campo onde crescemos na Síria era como uma cidade”, ele diz. “Eu conheci Kholoud na rua e gostei dela imediatamente. Em nosso casamento havia 200 convidados”.

Ziad deixou a Síria em 2015 para se encontrar com seu pai que já estava na Áustria. Kholoud ficou com seus pais e acabou ficando encurralada no campo de Al-Shih devido aos conflitos. Ela continua em perigo, e Ziad teme por ela a todo o momento.

“É como se ela estivesse em uma prisão”, ele diz. “É muito perigoso sair de lá. Ela só sai de casa para comprar comida. É sempre assim que uma nova região é dominada: são os civis que sofrem as consequências. Ou o local se torna uma cidade fantasma, ou as pessoas vivem como se estivessem presas.

Ziad conta que dois de seus primos foram sequestrados e, em seguida, encontrados mortos. Outros parentes morreram em ataques feitos pelas forças armadas.

Por que Ziad não levou Kholoud com ele quando foi para a Europa? “Não podíamos pagar a viagem para duas pessoas”, ele diz, e acrescenta que não queria expô-la aos perigos da arriscada travessia marítima.

“Por duas vezes o barco em que eu estava virou, nós fomos resgatados e mandados de volta para a Turquia, até que na terceira vez deu certo. Eu agradeci a Alá por Kholoud não estar comigo, pois escapamos da morte por muito pouco, “Quando ela vier para a Áustria, quero que ela venha de avião, e eu estarei no aeroporto esperando por ela”.