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Livro conta como uma refugiada adolescente sobreviveu a um naufrágio e salvou a vida de um bebê

Melissa Fleming lançou o livro “A Hope More Powerful than the Sea” (Uma esperança mais poderosa do que o mar, tradução livre), que narra a extraordinária bravura da refugiada síria Doaa Al Zamel.

26 de janeiro de 2017 (ACNUR) – “Sinto que estamos sendo levados para a nossa morte”, disse Doaa a Bassem. Às 11 da noite, eles pararam a cerca de meio quilômetro de uma praia arenosa. “Saiam e corram para a praia! ”, gritaram os contrabandistas. Eles saíram e notaram outros ônibus, e centenas de pessoas à frente e atrás deles. Bassem tirou os chinelos, pegou a mão de Doaa e correu para a água.

Um dos dois barcos de madeira, com cerca de três metros e meio de comprimento, avançava em direção a eles, mas para alcançá-lo, eles tiveram que lutar contra as ondas até que a água chegasse aos ombros de Bassem. Ao chegaram ao barco, Bassem entrou com suas próprias forças enquanto um contrabandista levantava Doaa.

Centenas de pessoas já estavam no barco quando Doaa e Bassem chegaram no convés. Eles logo descobriram que um bom número desses viajantes cansados ??já estavam à deriva durante dias, esperando impacientemente que o grupo de Doaa e Bassem se juntassem a eles para que os contrabandistas pudessem preencher cada centímetro da embarcação.

Doaa era uma refugiada no Egito antes de embarcar na mortal viagem de barco. © Arquivo Doaa Al Zamel

No terceiro dia, a tarde já avançava quando um barco de dois andares se aproximou. Um dos contrabandistas explicou que as ondas estavam muito altas para uma embarcação com tantas pessoas, então eles teriam que dividir o grupo. Cerca de 150 pessoas desembarcaram com Doaa e Bassem. Eles foram comunicados de que a viagem levaria dois dias no máximo, e quase quatro já haviam passado. "Quanto tempo mais?", perguntou alguém ao novo capitão.  “Mais 19 horas, e chegaremos à Itália”, o capitão os tranquilizou. Os passageiros comemoraram e aplaudiram em resposta, exclamando "Hamdullah, se Deus quiser, vamos chegar à Itália!"

Mas apenas algumas horas depois, Doaa estava dormindo quando os sons de um motor e de homens gritando insultos em um dialeto egípcio a acordaram. Um barco azul de pesca aproximou-se a toda velocidade. Doaa podia ver cerca de 10 homens a bordo, vestidos com roupas comuns, e não com as roupas pretas dos contrabandistas.

"Vocês, cães!", eles gritaram. “Filhos de mãe! Parem o barco! Aonde vocês pensam que vão? Vocês deveriam ter ficado em seu próprio país para morrer”.

Então, de repente, com os olhos cheios de ódio, começaram a atirar pedaços de madeira nos refugiados passageiros do barco. Doaa olhou horrorizada enquanto o barco corria em direção a eles.

O noivo de Doaa, Bassem, se afogou depois de ficar ao lado dela na água por dois dias. © Arquivo Doaa Al Zamel

Houve disputa pelos coletes salva-vidas, enquanto orações desesperadas foram interrompidas por gritos aterrorizados e crianças chorando. O barco que se aproximava deles acelerou e bateu no lado do barco logo abaixo onde Doaa e Bassem estavam de pé, produzindo um som de metal e madeira quebrando.

O impacto foi tão grande e súbito que parecia um ataque de mísseis. Doaa tropeçou para a frente, quase caindo sobre a grade antes que os braços de Bassem a agarrassem. Outras pessoas não tiveram tanta sorte e caíram na plataforma de baixo que levava outros passageiros. No tumulto, Doaa tinha deixado cair seu colete salva-vidas. Ela estava procurando por ele quando Bassem a puxou em sua direção. Ela então percebeu que o barco estava começando a virar. “Meu Deus,” pensou Doaa. “Não na água. Não me afogando. Deixe-me morrer agora e não chegar ao mar”.

Os agressores voltaram a correr em direção a eles, e quando bateram no barco de Bassem e Doaa, a embarcação deu uma chacoalhada súbita e começou a afundar. A mão de Bassem soltou-se da de Doaa enquanto ele lutava para recuperar o equilíbrio, e ela o perdeu de vista na massa de pessoas caindo.

Metade do barco no qual eles viajavam já estava submersa e a outra afundava rapidamente. Doaa pensou nas centenas de pessoas presas no casco. “Eles estão condenados e nós também”, ela pensou enquanto se segurava na beira da embarcação que afundava.

Doaa al Zamel, que assistiu seu noivo e centenas de passageiros morrerem no mar, resgatou uma criança pequena e teve sua história contada no livro “Uma esperança mais poderosa do que o mar”, escrito por Melissa Fleming, porta-voz da ONU. © Elena Dorfman

Ela ouviu gritos ao redor, abafados apenas pelo som do motor do barco. As pessoas agarravam-se desesperadamente a qualquer coisa que flutuasse - bagagens, latas de água, até a outras pessoas, puxando-as para baixo com elas. Doaa percebeu que o mar à sua volta estava vermelho e logo se deu conta de que as pessoas estavam sendo sugadas para a hélice do barco e desmembradas por suas lâminas.

Invadida por pânico e medo, Doaa começou a gritar por Bassem. Alguns segundos depois, ela ouviu a voz dele.

Ela virou a cabeça em direção ao som e viu-o no mar. Ela queria ir até ele, mas não conseguia se movimentar na água. O barco estava afundando em um ângulo que a estava atraindo para a hélice giratória. “Deixa para lá, ou a hélice vai te cortar também! ”, gritou Bassem.

"Coloque isso sobre sua cabeça para que você possa flutuar".

Ela fechou os olhos e abriu as mãos, caindo de costas, os braços e pernas se espalharam quando ela bateu na água. De costas, flutuou por alguns segundos, mas então sentiu alguém puxando seu lenço, que escorregou de sua cabeça.

Enquanto continuava flutuando, ela sentiu seu cabelo comprido sendo puxado debaixo da água. Aqueles que estavam se afogando estavam se agarrando ao que pudessem para tentar retornar à superfície. Eles puxaram o rosto de Doaa para baixo da água, mas de alguma forma ela conseguiu afastar suas mãos.

Então ela viu Bassem nadando em direção a ela segurando uma boia azul, do tipo que crianças usam em piscinas para bebês. "Coloque isso sobre sua cabeça para que você possa flutuar", ele disse enquanto lhe dava a boia parcialmente cheia.

Das 150 pessoas que estavam a bordo, entre 50 e 100 sobreviveram ao ataque e ficaram flutuando sem rumo no mar.

Quando o sol nasceu no dia seguinte, ficou claro para Doaa que a noite tinha levado pelo menos metade dos sobreviventes iniciais. Um pequeno grupo dos que restaram reuniu-se em torno de Bassem e Doaa.

Esta história é um trecho do livro “A Hope More Powerful than the Sea” (Uma esperança mais poderosa do que o mar, tradução livre), escrito por Melissa Fleming. Todos os direitos reservados. © Melissa Fleming / Flatiron Books.