Refugiada síria usa habilidades de natação para resgatar pessoas
LESVOS, Grécia, 28 de dezembro de 2017 - A bordo de um barco de busca e resgate no mar Egeu, a salva-vidas Sarah Mardini observa o horizonte com a ajuda de binóculos, procurando por botes transportando refugiados vindos da Turquia.
Em agosto de 2015, ela e Yusra, sua irmã mais nova, fizeram a mesma rota perigosa em direção a Lesvos, para fugir da guerra na Síria, sua terra natal.
Nadadoras de elite treinadas, elas cativaram as pessoas ao redor do mundo, primeiro por conta do resgate de seus 18 companheiros de viagem após falha no motor do barco, e novamente quando Yusra, de 18 anos, fez história quando competiu nos jogos olímpicos do Rio este ano integrando a primeira equipe olímpica de atletas refugiados.
Neste outono, Sarah, de 21 anos, voltou para Lesvos para atuar como salva-vidas voluntária no Centro de Resposta Internacional Europeu (ERCI), uma organização humanitária grega sem fins lucrativos que ajuda refugiados que correm perigo quando tentam chegar à ilha.
"Eu converso com eles. Eu lhes digo: 'Eu sei o que vocês sentem porque eu passei por isso’."
Ela trabalha em uma equipe de quatro pessoas: socorrista, capitão, médico e tradutor. Na água, Sarah é frequentemente a que acalma os refugiados, muitos dos quais não sabem nadar.
"Eu converso com eles. Eu lhes digo: 'Eu sei o que vocês sentem porque eu passei por isso. Eu vivi, e eu sobrevivi", diz. "E eles se sentem melhor porque eu sou uma refugiada como eles".
De acordo com o ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, 2016 foi o ano mais letal para os refugiados e migrantes que atravessam mar Mediterrâneo. Mais de cinco mil vidas foram perdidas, principalmente na rota do Mediterrâneo Central.
O número de mortos ressalta a importância das equipes de busca e resgate, como o ERCI.
O ERCI trabalha com a Guarda Costeira Grega e com a Agência Frontex para salvar as vidas das pessoas em perigo, uma vez que chegam às águas gregas. Neste ano, a Grécia recebeu mais de 172.800 refugiados e migrantes, no ano passado foram quase 857 mil. Algumas dúzias continuam chegando a Lesvos todas as semanas.
Sarah e Yusra cresceram em Damasco, onde aprenderam a nadar antes que pudessem andar. Treinadas pelo pai, um treinador profissional de natação, elas competiram pela Síria e pelo mundo árabe como membros das melhores equipes do clube, bem como da equipe nacional de natação da Síria.
Com o agravamento da guerra, a família mudou de casa para casa em busca de segurança. A casa onde passaram a infância foi destruída. No verão passado, a família decidiu mandar Sarah e Yusra para a Turquia, depois para a Europa, com dois parentes.
Eles não tinham medo da travessia, diz Sarah, nem mesmo na noite em que estiveram na costa turca, quando 20 pessoas tentaram se amontoar em um barco inflável construído para no máximo oito pessoas.
"Nós não estávamos com medo porque estávamos juntas", diz Sarah. "Toda vez que eu e minha irmã estamos juntas, não importa se é difícil, nós encontramos uma maneira de fazer com que fique divertido. Se eu estivesse sozinha ou se ela estivesse sozinha, não teríamos conseguido. Fizemos isso porque estávamos juntas”.
Os problemas começaram logo após a partida. O motor falhou, deixando o barco à deriva e sendo inundado por água. Sarah estava determinada a não permitir que ninguém se afogasse. Ela mergulhou com Yusra. Elas ficaram na água por três horas e meia, e por fim conseguiram salvar todo mundo.
"Quando chegamos à praia, todos estavam nos agradecendo", diz. Mas ela respondeu: "Nós somos nadadoras, eu sou uma salva-vidas. Este é o nosso trabalho. É natural que façamos isso".
Ela descreve a noite como surreal. "Mesmo agora, quando conto minha história, ainda não acredito", diz. "Não parece que aconteceu comigo. Eu sinto que não é real, mesmo depois de um ano. Parece um filme".
"Mesmo agora, quando conto minha história, ainda não acredito".
Elas demoraram 25 dias para chegar à Alemanha, em uma jornada a pé, de trem e de ônibus. Logo depois, uma instituição de caridade berlinense as encaminhou para o clube de natação Wasserfreunde Spandau 04, e a jornada de Yusra para os Jogos Olímpicos de 2016 começou. Sarah parou de nadar em competições em razão de uma velha lesão no ombro que se agravou na noite em que atravessaram o mar. Seus pais e irmã mais nova chegaram em Berlim poucos meses depois, por meio do reagrupamento familiar.
Sarah planejava visitar Lesvos no dia 18 de agosto, o primeiro aniversário da data em que chegaram à ilha. No entanto, a dupla estava no Rio de Janeiro, onde Sarah aplaudia sua irmã na piscina olímpica.
Na mesma época, Sarah recebeu uma mensagem no Facebook de Erik Gerhardsson, voluntário sueco do ERCI. "Ele dizia o quanto fomos uma inspiração para eles, e como nossa história era incrível, e como as crianças refugiadas na ilha falavam de nós como se fossemos heroínas", diz.
“Então eu disse ‘Estou indo’, e ele perguntou, ‘O quê? Você está vindo? Você está louca? ’ e eu respondi, ‘Sim, eu estou indo’.”
“Ela está aqui para garantir que mais vidas não se perderão nesta jornada perigosa.”
Ela se apresentou para seu primeiro turno no ERCI algumas semanas depois e se juntou a uma equipe de 20 voluntários do mundo inteiro.
"Sarah é uma verdadeira heroína", diz o fundador do ERCI, Panos Moraitis. "Depois de arriscar sua própria vida para salvar 18 pessoas a bordo do barco no qual ela estava tentando alcançar a Grécia, não só ela voltou à estaca zero, como está aqui para garantir que mais vidas não se perderão nesta jornada perigosa".
Estar de volta em Lesvos às vezes é difícil para ela. As manhãs passadas na água com o ERCI são uma lembrança constante daquela noite terrível.
Sarah achou difícil seu primeiro dia como voluntária. "Eu estava pensando comigo mesma: 'Por que nós, sírios, terminamos assim?'", indaga. "Nós [ERCI] estávamos prontos para ajudar e eu os observava. Foi muito doloroso ver meu povo assim".
Ela espera que sua história ajude a mudar o modo como os refugiados são percebidos. Ela se dirigiu à Assembleia Geral da ONU em Nova York, bem como ao público da Alemanha, França, Bélgica, República Tcheca e Bulgária.
Sarah espera voltar à universidade no próximo outono para estudar direitos humanos, seu campo de estudo na Síria. Seu sonho é começar sua própria organização não-governamental. De si mesma, ela diz: "Eu sou apenas uma pessoa normal que tenta ajudar quem precisa".