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Projeto de habitação austríaco mantém viva a esperança dos refugiados

Alguns a chamam de santa, mas Ute Bock diz que foi a humanidade que a motivou a cuidar de pessoas que buscam segurança.

VIENA, Áustria, 30 de dezembro de 2016 - Em seu pequeno quarto em Viena, Asira Khasalieva está enrolando massa para fazer gulushki (bolinhos) para parentes que chegaram recentemente da Chechênia. Eles estão buscando refúgio na Áustria e estão cheios de esperança. Ela odeia dizer a eles que ela mesma está esperando há três anos por uma resposta das autoridades austríacas para seu pedido de refúgio.

Enquanto espera, Asira vive na casa de Ute Bock. Este não é apenas um bloco de apartamentos, mas um lugar de abrigo, educação e incentivo fundado pela ilustre filantropa austríaca, Ute Bock.

"Eu agradeço a Deus pela Sra. Bock ter nos acolhido", diz Asira. "Ela é uma senhora muito boa. Rezo todos os dias por sua saúde”.

Infelizmente Frau Bock, de 74 anos, não é tão ativa como costumava ser, desde que sofreu um derrame. Mas, embora agora esteja em uma cadeira de rodas, ela ainda vive e trabalha com refugiados na casa que leva seu nome.

 

 

Oriunda da Chechênia, Asira Khasalieva, vive na casa Ute Bock há três anos. © UNHCR/Gordon Welters

Ela é religiosa? Ela tem uma filosofia? Ela balança a cabeça negativamente. Foi apenas a humanidade que a motivou durante uma longa carreira dedicada a cuidar dos menos afortunados. "Se alguém vem, precisando de ajuda, eu não digo a eles para irem ver o Papa primeiro".

Frau Bock, que nunca se casou, vive modestamente a ponto de ser ascética. Ela nunca teve um feriado. Na verdade, ela nem tem um passaporte. Ela acha que a moda é uma perda de tempo e seu único luxo é ir ao cabeleireiro.

“Como você pode comer quando alguém está com fome? ”

Ela começou sua carreira em uma casa para crianças e trabalhou por muitos anos com adolescentes problemáticos. Quando se aposentou em 2002, criou um pequeno abrigo para os desabrigados e solicitantes de refúgio. Alguns realmente viveram lá, enquanto outros foram registrados no endereço, o que significava que "existiam" aos olhos dos serviços sociais e poderiam receber benefícios. Frau Bock fez a diferença para centenas de pessoas.

A notícia das boas obras de Frau Bock se espalhou. Seus apoiadores estavam determinados a fazê-la crescer para se tornar "grande demais para falhar", disse seu porta-voz, Emanuel Hinterbauer.

Fazendo um trocadilho com o nome Bock, eles criaram um festival de cerveja "Bock auf Bier", onde 10 centavos de cada cerveja vendida foram doados para o abrigo de Frau Bock. A ação resultou no "Bock auf Kulture", que arrecadou milhares de euros por meio de eventos regulares em cabarés, clubes e saraus de poesia. Frau Bock tem a reputação de ser bem obstinada quando se trata de defender os interesses dos vulneráveis, e por isso camisetas e postais com a estampa "bockig" foram impressos.

Então Hans Peter Haselsteiner, dono da empresa de construção Strabag, deu a Frau Bock o bloco de apartamentos em Zohmanngasse 28, permitindo que ela acomodasse 80 famílias de refugiados em um prédio. No total, ela abriga 300 refugiados em apartamentos espalhados por Viena. Ela é famosa entre os refugiados, e os oriundos da África a chamam de "Mama Bock".

O proprietário de uma empresa de construção local deu a Ute Bock este edifício para que ela pudesse acomodar 80 famílias de refugiados em um edifício. © ACNUR/Gordon Welters

Você poderia chamar Frau Bock de santa, mas ela só riria disso. Ela recebeu dezenas de prêmios por seu trabalho, mas é indiferente a todos eles. Quando o próprio presidente austríaco Heinz Fischer a nomeou para a prestigiosa Goldenes Verdienstkreuz (Cruz do Mérito), ela brincou que teria sido mais útil receber uma doação de 20 euros.

Prática e direta, Frau Bock tolera os políticos apenas na medida em que eles estão dispostos a ajudar. Ela é perturbada pela nova onda de políticos populistas que, a seu ver, aumentam o perigo de xenofobia na sociedade.

"As pessoas queixam-se de estrangeiros nos transportes públicos. Isso é terrível. Temos que encontrar uma forma de não reclamar dos refugiados, mas de ajudá-los, para que eles não nos deixem nervosos", diz secamente.

Frau Bock lembra-se do fim da Segunda Guerra Mundial: "Os soldados voltam para casa, os campos de concentração estão sendo abertos... Quando você vê o quão mesquinhas as pessoas são hoje umas com as outras, você pensa ‘você não aprendeu nada com a história? ’ Eram tão mesquinhas no passado como são hoje, em outras palavras, são tão mesquinhas hoje quanto eram no passado. 

"Todos nós respeitamos a Mama", diz Daniel Johnson, da Libéria, que ainda está à espera de uma decisão sobre sua solicitação de refúgio. © ACNUR / Gordon Welters

Não há egoísmo na casa de Ute Bock. A comida é diariamente partilhada por todos. Há aulas de alemão para quem quer. Justiça é a palavra de ordem.

"Todos nós respeitamos a Mama", diz Daniel Johnson, da Libéria, desempregado porque ainda está esperando o resultado de sua solicitação de refúgio. "Fica chato e solitário. Mas eu a vejo no corredor e falo alemão com ela. Ela é como uma mãe. Antes de ficar doente, ela costumava lavar nossas roupas para nós, e se estivéssemos discutindo, ela viria e separaria a briga".

De volta ao quarto checheno, os bolinhos estão quase prontos para acompanharem a carne e o molho de alho. A sobrinha da Sra. Khasalieva e seus dois filhos chegam à mesa. Na Chechênia, a família fazia doces e salgados e sonham em abrir um negócio em Viena.

Eles estão começando a ver que a espera pelo status de refugiado pode ser longa e o resultado longe de certo. Enquanto isso eles têm um teto sobre suas cabeças. E a esperança é a última que morre na Casa Ute Bock.