Tamanho do texto A A A

Maha Mamo, refugiada apátrida no Brasil, fala sobre os desafios de uma vida sem nacionalidade

“Ser uma apátrida é muito mais doloroso quando você sabe que sua capacidade é muito maior do que aquilo que te permitem fazer. Você não sabe seu potencial se não te dão o direito de existir”.

SÃO PAULO, 15 de dezembro de 2016 - Quando criança, Maha Mamo não podia viajar com a escola para fora do Líbano. Enquanto outras crianças iam para a Síria e Jordânia, ela ficava em casa. Mesmo sendo uma das melhores do time de basquete, ela nunca pode representar o seu país de origem em competições. Por quê? Porque ela não tem nacionalidade.

Maha foi declarada apátrida ao nascer devido às leis de nacionalidade da Síria e do Líbano. No Líbano, onde Maha nasceu, o direito automático à nacionalidade no momento do nascimento não é permitido. Assim, a única chance de Maha adquirir uma nacionalidade era por meio de seus pais.

O único problema é que sua mãe era síria, e uma mulher síria não pode legitimamente passar sua nacionalidade para seus filhos, o que deixou somente seu pai como o responsável por dar a Maha uma nacionalidade.

Entretanto, no Líbano, onde casamento inter-religioso é ilegal, o pai cristão de Maha não se casou legalmente com sua mãe muçulmana, o que significa que Maha e seus irmãos são filhos “fora do casamento”. E homens sírios não podem passar sua nacionalidade para filhos gerados “fora do casamento”, logo, Maha e seus irmão nasceram apátridas.

As crianças que nasceram na mesma circunstância encontram na vida adulta um caminho repleto de problemas e frustrações, assim como os serviços habituais necessários para uma criança, especialmente educação e saúde, dependiam da confiança na boa vontade de algumas pessoas. “Eu tive que receber uma isenção especial para receber meu certificado de Ensino Médio”, diz Maha cujos pais tiveram que implorar ao diretor da escola para que ela e seus irmãos pudessem receber educação.

Depois que terminou a escola, apenas uma das muitas universidades em que ela se inscreveu a aceitou. Mas não para cursar medicina, que era seu sonho.

Maha e sua irmã vivem perto de São Paulo. Ambas receberam status de refugiadas, mas não têm nacionalidade. © ACNUR / Gabo Morales.

“Ser uma apátrida é muito mais doloroso quando você sabe que sua capacidade é muito maior do que aquilo que te permitem fazer”, ela diz. “Você não sabe seu potencial se não te dão o direito de existir”.

Com seus 20 e poucos anos e cansada de escrever cartas a ministros pedindo uma nacionalidade e indo de emprego a emprego por medo de um dia ser pega por não ter a documentação necessária, Maha passou a acreditar que sua única solução estaria no exterior. Ela passou a se informar sobre reassentamento por meio do ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, e sobre a permissão de viajar ao exterior, mas seus esforços eram infrutíferos. Ela recebeu da embaixada do Canadá uma de suas respostas favoritas: ‘Maha, nós adoraríamos te receber no Canadá, mas onde iríamos colocar seu visto?’. Foi somente quando sua irmã enviou cartas para todas as embaixadas que existiam no Líbano que eles receberam uma resposta positiva do Brasil. No dia 19 de setembro de 2014, pela primeira vez na sua vida, Maha podia deixar o Líbano legalmente.

No Brasil, Maha só pode receber o visto de seis meses pelo fato de ser descendente síria, o que deu a ela a possibilidade de entrar com uma solicitação de refúgio. Em maio de 2016, com a ajuda do ACNUR, Maha e sua família conseguiram o status de refúgio no Brasil, dando a eles direitos similares aos que residem no país, porém sem uma nacionalidade. Essa foi a primeira vez que ela pode segurar um documento de identificação que garante seus direitos. “Quando eu peguei em mãos meus documentos, eu chorei e gritei e perguntei a minha irmã se ela tinha certeza que o documento era real. Eu não podia acreditar! ”, ela disse.

Um mês depois, o irmão de Maha, Eddy, foi assassinado durante uma tentativa de assalto no Brasil. “Eu lembro que a primeira coisa que meu irmão me perguntou quando fomos reconhecidos como refugiados foi se isso iria permitir que ele voltasse para casa, no Líbano”, ela disse. Para honrar seu desejo, Maha levou seu corpo de volta ao Líbano para seu velório. “A parte mais triste disto tudo é que Eddy nunca soube o que é viajar para casa legalmente”.

A morte de Eddy deu a Maha, agora uma porta-voz proeminente para pessoas apátridas no Brasil e em todo o mundo, ainda mais determinação para adquirir uma nacionalidade e para ajudar os outros em sua situação a fazer o mesmo.

Maha lidera uma oficina na sede do Google em São Paulo. Por meio do ACNUR, ela participa de vários workshops e seminários no Brasil e no mundo para falar sobre sua experiência como apátrida. © ACNUR / Gabo Morales

Maha agora é uma palestrante regular de workshop do ACNUR e ainda faz parte de esforços internacionais para mudar as leis e práticas a respeito de nacionalidade através da campanha #IBelong, que recentemente celebrou o seu aniversário de 2 anos. No próximo ano, o objetivo da campanha é a garantia de igualdade de direitos de nacionalidade para todos, o que inclui eliminar a discriminação de gênero das leis de nacionalidade – algo que, por razões óbvias, empolga bastante Maha. “Eu quero que todo mundo saiba o inferno que eu vivi e que um dia o presidente do Brasil possa ouvir a minha história e me dar uma nacionalidade brasileira”, ela enfatiza. No Brasil, naturalização por residência pode levar cerca de 15 anos, mas ela está esperançosa que será concedida antes disso. Ela acrescenta, “quando eu receber minha nacionalidade, eu vou gritar! Eu vou chorar! Eu vou atualizar meu status no Facebook! Eu vou para Walt Disney! Para Paris! Para Itália! Vou viajar o mundo inteiro! ”.   “E vou gritar o mais alto que conseguir: eu finalmente existo! ”, ela conclui entusiasmada.

Se você quiser saber mais como pode fazer a diferença para a vida de pessoas como Maha, junte-se à nossa campanha #IBelong para acabar com apatridia em até 10 anos.