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Crise de refugiados da Síria traz melhorias para os serviços de saúde do Líbano

Acolher mais de um milhão de refugiados em um país de quatro milhões de habitantes tem dado ao Líbano a oportunidade de melhorar seus serviços públicos de saúde.

TRIPOLI, Líbano – Desde que se casou, aos 13 anos de idade, a libanesa Yolanda* nunca mais se sentiu segura. O marido violento, um aborto e uma série de diagnósticos psicológicos equivocados a deixaram à beira do desespero.

Mas após uma inesperada mudança de acontecimentos, Yolanda, agora com 50 anos, está finalmente recebendo o especializado tratamento de saúde mental que ela tanto precisava. “Eu costumava me sentir oprimida de tanto medo”, disse à Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).

Ela está entre os milhares de libaneses em situação de vulnerabilidade que tiveram acesso a uma grande variedade de serviços básicos de saúde – que vão desde apoio psicológico até a assistência pré-natal e pediátrica – desde que a crise na Síria gerou um fluxo massivo de refugiados para o país.

Depois que a guerra eclodiu na Síria, no início de 2011, mais de um milhão de refugiados foi buscar segurança no Líbano. Eles se registraram no país junto ao ACNUR, que está trabalhando em proximidade com o Ministério de Saúde Pública para atender as suas necessidades.

Com valores generosos arrecadados por doações, o Líbano tem conseguido integrar uma série de serviços essenciais de saúde tanto para os sírios quanto para os libaneses de baixa renda.

Antes da crise, o Hôpital Psychiatrique De La Croix – uma organização de caridade localizada na periferia de Beirute – era o único local em todo o país que oferecia serviços de saúde mental de forma acessível, tornando a assistência para os que vivem fora da capital especialmente difícil.

“Um olhar mais atento ao impacto da crise de refugiados revela uma realidade menos conhecida.”

Tonina Frangieh, oficial de saúde mental e apoio psicossocial da International Medical Corps, localizada ao norte do Líbano, disse que antigamente os cuidados de saúde mental não existiam ao norte do país.

“No passado, pacientes de saúde mental eram descartados por serem considerados loucos. Eles costumavam ser agredidos, trancados e algumas vezes até mesmo acorrentados”.

Agora, o apoio psicológico é um dos diversos serviços que estão amplamente disponíveis devido a melhora gradual da prestação de cuidados de saúde desde que a crise na Síria começou.

“Com a chegada de refugiados, as necessidades de assistência de saúde dispararam”, disse Hamadeh, chefe do departamento de saúde primária do Ministério de Saúde Pública do Líbano. “Com a generosa contribuição da União Europeia, trabalhamos com o ACNUR e promovemos a integração saúde mental, tratamentos de desnutrição e reforçou a nível nacional os serviços de saúde reprodutiva no sistema de saúde básica.  

Como resultado, os pacientes sírios e libaneses passaram a ter acesso a vacinas gratuitas com o apoio do UNICEF e da OMS. Até mesmo a taxa de consulta para a aplicação de vacina, que costumava ser cobrada antes da crise, foi dispensada.

Desde o início, funcionários dos centros de saúde básica têm recebido treinamento para uma gestão eficaz de vacinas e outros serviços essenciais como o diagnóstico e tratamento de desnutrição e procedimentos clínicos em caso de estupros, e isso tem gerado um impacto positivo na vida de sírios e de libaneses.

Além disso, para que fosse possível atender à grande demanda, um total de 84 novos funcionários especializados foram disponibilizados pelo ACNUR e pela Organização Mundial para as Migrações (OIM) para trabalhar em centros de saúde em todo o país.

Dois anos depois da crise, centros em todo o Líbano receberam kits especiais de profilaxia pós-exposição para ajudar a prevenir a infecção pelo HIV. O aconselhamento e tratamento para sobreviventes de violência sexual ou de gênero foi institucionalizada, e agora inclui apoio psicológico e acompanhamentos minuciosos de cada caso.

A expansão dos serviços de assistência de saúde também possibilitou que equipes médicas pudessem encaminhar meninas e mulheres sobreviventes de atos de violência sexual e de gênero para locais seguros que atuam sob a orientação de organizações especializadas como a ABAAD - Centro de Recursos para a Igualdade de Gênero, parceira do ACNUR. Rola Hajj, diretora de enfermaria do Hospital Governamental de Tripoli, lembra o dia em que uma jovem libanesa de 17 anos foi trazida às pressas para a sala de emergência com ferimentos da cabeça aos pés. Ela havia sido espancada pelos pais, que a haviam proibido de sair de casa até mesmo para ir à escola. “Naquela noite, ela foi atendida em um dos ‘espaços seguros para meninas e mulheres’ e permaneceu lá desde então”, disse a diretora.

Antes desta cooperação com organizações sem fins lucrativos como a ABAAD, o Hospital Governamental de Trípoli costumava contatar os centros policiais quando surgiam casos similares, pois não dispunha de recursos para serviços especializados.

Apesar destes desenvolvimentos notáveis, a já frágil infraestrutura médica do Líbano sofreu impactos com a chegada de um grande número de refugiados, que hoje totalizam quase um quarto da população total do país.

Devidos aos altos valores e capacidade limitada de atendimento, o sistema particular de saúde continua enfrentando dificuldades, sobretudo com o aumento das demandas.

"Hospitais e centros de saúde ficaram sobrecarregados com a chegada de milhões de pessoas com necessidades urgentes. Mas um olhar mais atento ao impacto da crise de refugiados revela uma realidade menos conhecida", disse Mireille Girard, representante do ACNUR no Líbano.

"As pessoas acreditam mais na área da saúde pública agora. Esperamos continuar trabalhando nesse sentido.”

"Não apenas as famílias libanesas têm ampliado o acesso aos cuidados de saúde primários em diversas especialidades, como muitos também dizem que agora podem procurar cuidados hospitalares de qualidade dentro de suas regiões, graças à aquisição de equipamentos importantes como scanners, máquinas de reanimação e incubadoras".

Antes, a falta de equipamentos modernos fazia com que libaneses tivessem que sair de áreas remotas de Beirute para ter acesso à assistência de emergência.

"As pessoas acreditam mais na área da saúde pública agora", disse Hamadeh. "Esperamos continuar trabalhando nesse sentido", acrescentou, observando que, com o ACNUR e o Ministério têm atualizado seu sistema de gestão da informação.

"A nova base de dados informatizada permite o armazenamento de cada arquivo médico e o acompanhamento dos casos individuais em quase metade da rede dos centros de saúde", afirmou Hamadeh.

Outro exemplo concreto de progresso: agora existem 230 centros de saúde em todo o Líbano, 180 a mais do que antes da guerra na Síria.  E ela também se preocupa com a sustentabilidade dos novos serviços. "Nós precisamos desesperadamente de mais financiamento. Percorremos um longo caminho, mas ainda existem lacunas, e não podemos ser abandonados neste momento".

 

*Os nomes foram alterados para proteger os entrevistados.