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“Converse sobre isso, ou a água partirá seu coração”

Vencedores conjunto do Prêmio Nansen para Refugiados 2016, os voluntários do Hellenic Rescue Team compartilham suas experiências sobre um ano traumático.

LESBOS, Grécia, 29 de setembro de 2016 – Em uma pequena taberna, olhando o litoral de Lesbos, Panagiotis Konstantaras e Antigoni Piperaki fazem uma pequena pausa de seu trabalho como voluntários do Hellenic Rescue Team (HRT) para refletir sobre alguns momentos do ano que eles jamais se esquecerão.

“Nós costumávamos realizar treinamentos com cinco ou dez pessoas a bordo”, lebrou Antigoni. “Mas quando você vê um barco com 50 pessoas, você diz ‘o que que eu vou fazer agora?’ Nessas horas você não sabe nem o que pensar”.

Os dois fazem parte da equipe de resgate HRT que realizou operações no ápice da crise de refugiados de 2015, na ilha de Lesbos, quando o número de recém-chegados somava 10.000 pessoas por dia.

Voluntários passam a maior parte do ano em alerta e invariavelmente se dedicam além do planejado para resgatar refugiados em apuros no mar. Muitos voluntários, como Panagiotis e Antigoni, trabalharam dias e noites, realizando verdadeiros malabarismos entre seus empregos e estudos com as missões de resgate, dispondo de recursos limitados e muitas vezes recebendo ligações da guarda costeira logo pelas primeiras horas da manhã.

“No início de março, os números começaram a crescer muito”.

Panagiotis é um fazendeiro que também se voluntariou como mergulhador na HRT em Lesbos. Ele se lembra do exato momento de 2015 quando deu uma guinada para pior.

“No início de março, os números começaram a crescer muito”, disse. “Havia cerca de dez barcos da guarda costeira. Mas mesmo assim não era suficiente. Das seis às dez da manhã, costumávamos ter de 35 a 40 barcos cheios de refugiados”.

Panagiotis Konstantaras, um membro da equipe de resgate Hellenic Rescue Team, em Lesbos. © ACNUR/G. Welters

Com o passar do tempo, a situação foi se agravando.

“Às vezes encontrávamos grandes embarcações, mas elas não eram seguras”, acrescentou. “Havia um barco de madeira, madeira velha, e duzentas pessoas a bordo. Em 2015 testemunhamos um grande acidente em um barco de três andares lotado de pessoas. Quando ele se virou, elas foram imediatamente esmagadas. Passamos mais de uma semana procurando e recolhendo os corpos”, relatou. “Já não me emociono tanto. Tento não ver os rostos”.

Antigoni é mãe, líder da equipe HRT em Lesbos e trabalha em uma associação farmacêutica. Ela diz que diversos voluntários tiveram um ano traumático no oceano. “Todas as vezes que lembramos de 2015, recordamos os cadáveres”, disse ela. “A maioria das pessoas têm memórias como essas. Em novembro, meu marido encontrou o corpo de um bebê e todos os dias ele abraçava a nossa filha de nove meses de idade por quase quatro horas. Ele não conseguia soltá-la”.

“Todos os países devem tentar solucionar os problemas da Síria, Paquistão e Afeganistão”.

Mas, ainda assim, os voluntários da HRT buscavam forças uns nos outros. “Converse sobre isso”, aconselhava Panagiotis. “Ou a água partirá o seu coração”.

Milhares de voluntários gregos como Panagiotis e Antigoni ajudaram a restabelecer a esperança ao longo de 2015, sem qualquer tipo de prêmio ou reconhecimento. Muitos foram impelidos por um sentimento de dever para ajudar outros seres humanos – um sentimento que os gregos chamam de "philoxenia”.

“Eu tinha uma irmã com fibrose cística”, disse Antigoni. “Ela morreu aos 28 anos de idade. Eu acho que pelo fato de meus pais terem sempre ajudado a minha irmã, eu trago esse legado de querer ajudar ao próximo – não apenas pessoas com fibrose cística, mas com qualquer outro problema, como dinheiro, comida, qualquer coisa. Minha irmã já não faz mais parte da minha vida, mas posso ajudar os refugiados que aparecerem. Sempre haverá um problema maior do que o meu”.

Antigoni espera que um dia os líderes políticos compartilhem essa visão.

Antigoni Piperaki, capitã do barco do Hellenic Rescue Team, em Lesbos. © ACNUR/G. Welters

“Todos os países devem tentar solucionar os problemas da Síria, Paquistão e Afeganistão”, assegura. “Eles não podem dizer ‘vou ficar aqui na minha, já que eu não tenho problemas agora, você que resolva os seus sozinho’”. É um problema de todos, porque agora é na Síria, talvez amanhã seja na Inglaterra. Tudo está conectado”.

Por enquanto, o incansável trabalho executado por ela e seus companheiros da HRT continua. “Eu vejo os membros da minha equipe me penso, ‘se eu parar agora, as pessoas que chegaram recentemente para trabalhar aqui não têm a mesma experiência que eu. Vou ficar por mais um ano e ajuda-los para que se tornem melhores. E talvez toda a Grécia se torne melhor”.