1. Os termos “refugiado” e “migrante” são substituíveis entre si?
Não. Apesar de ser cada vez mais comum os termos “refugiado” e “migrante” serem utilizados como sinônimos na mídia e em discussões públicas, há uma diferença legal crucial entre os dois. Confundi-los pode levar a problemas para refugiados e solicitantes de refúgio, assim como gerar entendimentos parciais em discussões sobre refúgio e migração.
2. Qual a especificidade sobre a terminologia “refugiado”?
Refugiados são especificamente definidos e protegidos no direito internacional. Refugiados são pessoas que estão fora de seus países de origem por fundados temores de perseguição, conflito, violência ou outras circunstâncias que perturbam seriamente a ordem pública e que, como resultado, necessitam de “proteção internacional”. As situações enfrentadas são frequentemente tão perigosas e intoleráveis que estas pessoas decidem cruzar as fronteiras nacionais para buscar segurança em outros países, sendo internacionalmente reconhecidos como “refugiados” e passando a ter acesso à assistência dos países, do ACNUR e de outras organizações relevantes. Eles são assim reconhecidos por ser extremamente perigoso retornar a seus países de origem e, portanto, precisam de refúgio em outro lugar. Essas são pessoas às quais a recusa de refúgio pode ter consequências potencialmente fatais à sua vida.
3. De que forma refugiados são protegidos pelo direito internacional?
O regime legal específico que protege os direitos dos refugiados é conhecido como “proteção internacional dos refugiados”. A lógica que sustenta a necessidade deste regime reside no fato de que os refugiados são pessoas em uma situação específica que exige salvaguardas adicionais. Solicitantes de refúgio e refugiados carecem da proteção de seus países.
O Artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma o direito de toda e qualquer pessoa procurar e se beneficiar de refúgio. No entanto, nenhum conteúdo claro foi dado à noção de refúgio em nível internacional até que a Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados [a “Convenção de 1951”] foi adotada, e o ACNUR foi incumbido de supervisar sua implementação.
A Convenção da ONU de 1951 e seu Protocolo de 1967, assim como instrumentos legais regionais, como a Convenção de 1969 da Organização de Unidade Africana (UOA) que rege os aspectos específicos dos problemas dos refugiados na África, são os pilares do regime de proteção de refugiados moderno. Eles estabelecem uma definição universal de refugiado e incorporam os direitos e deveres básicos dos refugiados.
As disposições da Convenção de 1951 continuam sendo o padrão internacional para o julgamento de qualquer medida para a proteção e tratamento dos refugiados. Sua disposição mais importante, o princípio de non-refoulement (que significa não devolução), contido no Artigo 33, é o alicerce do regime. De acordo com este princípio, refugiados não podem ser expulsos ou devolvidos a situações onde suas vidas ou liberdade possam estar sob ameaça. Os Estados são os primeiros responsáveis por assegurar essa proteção. O ACNUR trabalha estreitamente com governos, aconselhando-os e os apoiando conforme suas necessidades a fim de implementar suas responsabilidades.
4. A Convenção de 1951 precisa ser revisada?
A Convenção de 1951 e seu Protocolo de 1967 salvaram milhões de vidas e, como tais, são dois dos instrumentos fundamentais de direitos humanos nos quais nos baseamos hoje. A Convenção de 1951 é um marco da humanidade, desenvolvida na sequência de movimentos maciços de populações que superou até mesmo a magnitude do que vemos agora. Em seu cerne, a Convenção de 1951 incorpora valores humanitários fundamentais. Ela demonstrou claramente a sua capacidade de adaptação à evolução das circunstâncias factuais, sendo reconhecida pelas cortes como um instrumento vivo capaz de proporcionar proteção aos refugiados em um ambiente em constante mudança. O maior desafio à proteção de refugiados certamente não reside na Convenção de 1951 em si, mas em garantir que os Estados venham a cumpri-la. A verdadeira necessidade é a de encontrar maneiras mais eficazes de implementá-la em um espírito de cooperação internacional e responsabilidade compartilhada.
5. A palavra “migrante” pode ser utilizada como um termo genérico para também abranger refugiados?
Uma definição legal uniforme para o termo “migrante” não existe em nível internacional.[1] Alguns formuladores de políticas, organizações internacionais e meios de comunicação compreendem e utilizam o termo “migrante” como um termo generalista que abarca migrantes e refugiados. Por exemplo, estatísticas globais em migrações internacionais normalmente utilizam uma definição de “migração internacional” que inclui os movimentos de solicitantes de refúgio e de refugiados.
Em discussões públicas, no entanto, essa prática pode facilmente gerar confusão e pode também ter sérias consequências para a vida e segurança de refugiados. “Migração” é comumente compreendida implicando um processo voluntário; por exemplo, alguém que cruza uma fronteira em busca de melhores oportunidades econômicas. Este não é o caso de refugiados, que não podem retornar às suas casas em segurança e, consequentemente, têm direito a proteções específicas no escopo do direito internacional.
Desfocar os termos “refugiados” e “migrantes” tira atenção da proteção legal específica que os refugiados necessitam, como proteção contra o refoulement e contra ser penalizado por cruzar fronteiras para buscar segurança sem autorização. Não há nada ilegal em procurar refúgio – pelo contrário, é um direito humano universal. Portanto, misturar os conceitos de “refugiados” e “migrantes” pode enfraquecer o apoio a refugiados e ao refúgio institucionalizado em um momento em que mais refugiados precisam de tal proteção.
Nós precisamos tratar todos os seres humanos com respeito e dignidade. Nós precisamos garantir que os direitos humanos dos migrantes sejam respeitados. Ao mesmo tempo, nós também precisamos fornecer uma resposta legal e operacional apropriada aos refugiados, por conta de sua situação difícil e para evitar que se diluam as responsabilidades estatais direcionadas a eles. Por essa razão, o ACNUR sempre se refere a “refugiados” e “migrantes” separadamente, para manter clareza acerca das causas e características dos movimentos de refúgio e para não perder de vista as obrigações específicas voltadas aos refugiados nos termos do direito internacional.
6. Todos os migrantes sempre “escolhem” migrar?
Os fatores que levam indivíduos a migrar podem ser complexos. Muitas vezes as causas são multifacetadas. Migrantes podem deslocar-se para melhorarem suas condições de vida por meio de melhores empregos ou, em alguns casos, por educação, reuniões familiares, ou outras razões. Eles também podem migrar para aliviar dificuldades significativas ocasionadas por desastres naturais, pela fome ou de extrema pobreza. Pessoas que deixam seus países por esses motivos normalmente não são consideradas refugiadas, de acordo com o direito internacional.
7. Os migrantes não merecem proteção também?
As razões pelas quais um migrante pode deixar seu país são muitas vezes convincentes, e encontrar meios de atender suas necessidades e proteger seus direitos humanos é importante. Migrantes são protegidos pela lei internacional dos direitos humanos. Essa proteção deriva de sua dignidade fundamental enquanto seres humanos.[2] Certas vezes, o fracasso em conceder-lhes proteção dos direitos humanos pode ter consequências sérias. Isso pode resultar em violações de direitos humanos, como sérias discriminações; prisão arbitrária ou detenção; ou trabalho forçado, servidão, ou condições de trabalho altamente exploratórias.
Ainda, alguns migrantes, como vítimas de tráfico ou menores separados ou desacompanhados, podem ter necessidades particulares de proteção e assistência, e têm o direito de ter essas necessidades atendidas. O ACNUR apoia plenamente abordagens para a gestão de migrações que respeitem os direitos humanos de todas as pessoas em deslocamento.
8. Refugiados são “migrantes forçados”?
O termo “migração forçada” é por vezes utilizado por sociólogos e outros indivíduos como um termo generalista e aberto que cobre diversos tipos de deslocamentos ou movimentos involuntários – tanto os que cruzam fronteiras internacionais quanto os que se deslocam dentro do mesmo país. Por exemplo, o termo tem sido utilizado para se referir às pessoas que têm sido deslocadas em decorrência de desastres ambientais, conflitos, fome, ou projetos de desenvolvimento em larga escala.
“Migração forçada” não é um conceito legal, e similar ao conceito de “migração”, não existe uma definição universalmente aceita. Ele abarca uma ampla gama de fenômenos. Refugiados, por outro lado, são claramente definidos pelo direito internacional e regional dos refugiados, e os Estados concordaram com um específico e bem definido conjunto de obrigações legais em relação a eles. Referir-se a refugiados como “migrantes forçados” tira atenção das necessidades específicas dos refugiados e das obrigações legais que a comunidade internacional concordou em direcionar a eles. Para evitar confusão, o ACNUR evita o uso do termo “migração forçada” ao se referir aos movimentos de refugiados e outras formas de deslocamento.
9. Qual é a melhor forma de se referir a grupos mistos em deslocamento que incluam tanto refugiados quanto migrantes?
A prática adotada pelo ACNUR é se referir a grupos de pessoas viajando em movimentos mistos como “refugiados e migrantes”. Essa é a melhor forma de permitir a compreensão de que todas as pessoas em deslocamento possuem direitos humanos que devem ser respeitados, protegidos e satisfeitos; e que refugiados e solicitantes de refúgio possuem necessidades específicas e direitos que são protegidos por uma estrutura legal específica.
Por vezes, em discussões políticas, o termo “migrações mistas” e termos correlatos como “fluxos mistos” ou “movimentos mistos” podem ser formas úteis de se referir ao fenômeno de refugiados e migrantes (incluindo vítimas de tráfico ou outros migrantes vulneráveis) viajando lado a lado pelas mesmas rotas, utilizando os mesmos facilitadores.
Por outro lado, o termo “migrante misto”, que é por vezes usado como uma síntese para se referir a uma pessoa em um fluxo migratório misto e cujo status individual é desconhecido ou que pode ter múltiplas e justapostas razões para se mudar é incerto. Isso pode causar confusão e mascarar as necessidades específicas de refugiados e migrantes no movimento. O termo não é recomendado.
10. E quanto aos refugiados que deixam o país em que se refugiaram e entram em outro? Eles não são melhores descritos como “migrantes” por conta de realizarem viagens subsequentes a partir do primeiro país de acolhida?
Um refugiado não deixa de ser refugiado ou torna-se “migrante” simplesmente por deixar um país de refúgio para viajar a outro país. Um indivíduo é refugiado por conta da falta de proteção em seu país de origem. Mudar-se para um novo país de refúgio não muda essa situação. Portanto, o status de refugiado do indivíduo não é afetado. Uma pessoa que satisfaz os critérios para o status de refugiado permanece sendo refugiada, independentemente da rota realizada na busca de proteção ou das oportunidades para reconstruir sua vida e mesmo das várias etapas envolvidas nessa jornada.
[1] A Convenção de 1990 sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias define o termo “trabalhador migrante”. Ver também o Artigo 11 da Convenção da OIT de 1975 sobre Migrações em Condições Abusivas e Proteção da Igualdade de Oportunidades e de Tratamento dos Trabalhadores Migrantes (nº 143) e da Convenção da OIT de 1979 sobre Trabalhadores Migrantes (nº 97); assim como o Artigo 1 da Convenção Europeia de 1977 relativa ao Estatuto Jurídico do Trabalhador Migrante.
[2] Por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; assim como outros tratados internacionais e regionais importantes, reconhecem que todas as pessoas, incluindo migrantes e refugiados, possuem direitos humanos.