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Refugiado sírio conduzirá a Tocha Olímpica na Grécia

No dia 26 de abril, o refugiado sírio Ibrahim Al-Hussein conduzirá a chama olímpica em Atenas, como parte do revezamento da Tocha para os Jogos de 2016 no Rio de Janeiro.

 

 

ATENAS, Grécia, 25 de abril de 2016 (ACNUR) - Ibrahim Al-Hussein se agacha na beirada da piscina a sua frente. Tudo desaparece: a guerra na Síria que ele escapou há três anos, as memórias doloridas das pessoas que ele ama e ficaram para trás, a bomba que em 2012 o deixou sem parte de sua perna. Neste momento é só ele e a água.

 

No dia 26 de abril, Ibrahim conduzirá a chama olímpica em Atenas, como parte do revezamento da Tocha para os Jogos de 2016 no Rio de Janeiro. O gesto simbólico serve para mostrar solidariedade pelos refugiados no mundo em um momento em que milhões de pessoas são obrigadas a se deslocar por conta de guerras e perseguições em todo o mundo.

É um imenso privilégio para este atleta de 27 anos, que um dia sonhou em competir nos Jogos Olímpicos, mas teve sua carreira de atleta interrompida devido a guerra e sua consequente lesão.

"É uma honra", diz Ibrahim sobre conduzir a Tocha Olímpica. "Imagine realizar um de seus maiores sonhos, que um sonho de mais de 20 anos está se tornando uma realidade".

Ibrahim chegou à ilha grega de Samos em 2014, depois de atravessar o Mar Egeu em um bote de borracha. Atenas se tornou a sua nova casa, o lugar onde ele reconstruiu sua vida e identidade como um atleta. Ele já caminha com uma prótese de perna que um médico particular conseguiu para ele gratuitamente.

Ibrahim tem uma rigorosa programação de treinamento de alto nível. Três dias por semana ele nada na ALMA, uma organização sem fins lucrativos grega para atletas com deficiência. Ele treina no antigo Complexo de Esportes Olímpico de 2004 em Atenas. Ele também é parte de um time de basquete para cadeirantes em Maroussi, um subúrbio de Atenas, que se reúne cinco vezes por semana e viaja por todo o país para os jogos.

Ibrahim faz tudo isso além de trabalhar um turno de 10 horas, à noite, em um café.

“Não é um jogo para mim”, fala Ibrahim sobre sua agenda de treinos. “É a minha vida”.

© ACNUR/ A.ZavallisEm Deir ez-Zor, na Síria, a vida de Ibrahim girava em torno dos esportes: natação, basquete e judô. Seu pai, um treinador de natação, apresentou a ele e seus 13 irmãos a paixão pelas águas. Muitos deles começaram a nadar competitivamente a partir dos cinco anos de idade, trazendo para casa dezenas de medalhas em competições locais e nacionais.

A família vivia nas margens do rio Eufrates. O canal muitas vezes serviu como piscina para Ibrahim, e a famosa ponte de Deir ez-Zor como sua prancha de salto.

“Eu costumava escalar até o topo, mergulhar e nadar no rio”, disse Ibrahim.

Ibrahim continuou competindo como nadador em sua vida adulta, mesmo quando trabalhava integralmente como eletricista. Então a guerra começou em 2011. Combatentes destruíram sua querida ponte. Um dia, Ibrahim correu para ajudar um amigo que havia sido gravemente ferido, foi então que ele mesmo foi atingido por uma bomba. Sua perna direita foi amputada, abaixo do joelho. No ano seguinte ele se refugiou na Turquia, onde começou a se recuperar e reaprendeu a andar novamente.

Ao falar sobre a guerra, seu acidente e recuperação foram difíceis. Em seu pequeno apartamento no centro de Atenas, ao qual ele aluga sozinho, Ibrahim não tem fotos ou lembranças da Síria. As memórias são muito doloridas. Ele tampouco fala sobre seus familiares que ficaram no país; ele perdeu contato com muitos deles.

“Meus olhos apenas enxergam para frente”, disse Ibrahim. “Eu não posso pensar no passado. Se eu lembrar de todas as coisas que ficaram para trás, isso irá me atrasar”.

Poucos meses após sua chega à Grécia, Ibrahim procurou a ajuda de um dos parceiros de implementação do ACNUR, o Conselho Grego para Refugiados, ONG que provê assistência social e jurídica às pessoas em necessidade de proteção internacional. Ele conseguiu refúgio com a ajuda de uma advogada do Conselho Grego para Refugiados, Katerina Komita. “Ele nunca disse: ‘eu era um bom atleta’”, diz Komita sobre seu cliente. Ele diria, ‘eu sou um bom atleta’”. De forma paralela, a assistente social do Conselho Grego para Refugiados, Georgia “Gogo” Chiou, ajudou Ibrahim a encontrar um lar e o colocou em contato com ligas de esportes para atletas com deficiência.

Para entrar na piscina, Ibrahim retira sua prótese e se aproxima pulando com seu outro pé. O treinador de Ibrahim, Eleni Kokkinou, lembra do dia em que Ibrahim nadou de novo, pela primeira vez em cinco anos, em outubro passado.

© ACNUR/ A.Zavallis“Eu estava na piscina com ele, ajudando-o a tentar equilibrar seu corpo na água outra vez”, disse Kokkinou. Sem a parte da perna que faz o corpo se movimentar para frente, ele já não era tão forte como antigamente. Em sua segunda sessão, entretanto, Ibrahim tinha reconquistado sua confiança na água.

“Eu vi um grande atleta, nada mais”, disse Kokkinou. “Tudo que ele pensa é ‘treinar, treinar e treinar’. Seu objetivo era alcançar seu recorde pessoal na categoria 50 metros livre”.

Ibrahim agora nada os 50 metros livre em aproximadamente 28 segundos, 3 segundos a menos do tempo que ele levava para fazer a mesma prova antes de perder a perna. No final de junho, ele competirá os jogos Pan-Helênicos para nadadores com deficiência. Ele tem uma boa chance de chegar em primeiro lugar em sua categoria e de quebrar o recorde da competição, disse Kokkinou.

Ibrahim foi selecionado para carregar a tocha olímpica após o anúncio feito por Jacques Rogge, presidente honorário do Comité Olímpico Internacional, de que um refugiado carregaria a tocha este ano em nome dos refugiados de todo o mundo.

"O esporte pode curar muitas feridas", disse Rogge, que também é o Enviado Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para Jovens Refugiados e Esporte. “O esporte pode trazer-lhes esperança, pode ajudar a forjar seus pensamentos e integrar na sociedade. Em última análise, traz-lhes esperança e sonhos”.

"O esporte não é a solução", acrescentou. "Mas ele pode fazer uma grande contribuição".

De muitas maneiras, o esporte salvou a vida de Ibrahim, dando-lhe propósito quando se viu sozinho como refugiado na Grécia.

"Eu estou carregando a chama por mim, mas também pelos sírios, para refugiados em todos os lugares, para a Grécia, para o esporte, para as minhas equipes de natação e basquete", disse Ibrahim. "Meu objetivo é nunca desistir. Mas continuar, sempre ir para a frente. E isso eu posso atingir através do esporte”.

A chama olímpica foi acesa em 21 de abril, em uma cerimônia em Olímpia, local dos antigos Jogos Olímpicos. Ibrahim correrá com a chama ao longo de Eleonas, um alojamento temporário em Atenas que abriga hoje cerca de 1.500 refugiados.

Mais de 1 milhão de refugiados e migrantes chegaram à Europa em 2015, segundo dados do ACNUR, e outros 180.000 apenas em 2016. Embora a maioria tenha chegado à Grécia, este país é raramente o destino procurado. Devido ao período de seis anos de crise financeira, a situação no país tem se tornado difícil até mesmo para os próprios nacionais encontrarem emprego.

Ibrahim disse que decidiu ficar na Grécia depois de fazer amizades com gregos e porque o estilo de vida grego lhe pareceu familiar.

“Eu estou mais do que confortável aqui”, ele disse. “Eu amo o povo grego. Eles são muito parecidos com nosso povo. Eles dizem, ‘Bom dia, boa tarde, boa noite, como você está? Da mesma forma que fazemos na Síria”.

Seus amigos, colegas e treinadores dizem que ele demonstrou uma inacreditável forma de força e esperança.

“Ele não deixou nada pará-lo – nem a guerra, nem perder a perna”, disse Kokkinou. Ele tem sido uma atleta sua vida toda. Agora ele está de volta ao seu próprio caminho de vida.

Por Tania Karas e Ifigeneia Diamanti, em Atenas, Grécia.