Criolo envolve fãs na doação de 3.000 kg de alimentos para refugiados em show
São Paulo, 22 de agosto de 2016 (ACNUR) - Ao lançar o CD e vinil “Ainda é Tempo”, na noite de 19 de agosto no Citibank Hall, o mais celebrado rapper brasileiro atraiu a arrecadação de cerca de três toneladas de alimentos destinados a entidades de assistência a refugiados e a moradores de rua de São Paulo. Criolo engajou-se nessa iniciativa, apoiada pela Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), sem se dar conta do simbolismo da data – a ONU celebrou em 19 de agosto o Dia Mundial da Assistência Humanitária, momento em que faz uma homenagem especial a profissionais e voluntários da ajuda aos menos favorecidos.
“Sempre, no bairro, nessas andanças da vida, a gente procura contribuir de algum jeito. Eu tenho uma mãe que sempre tentou amenizar as desigualdades que sentimos na carne. Não é uma história que alguém nos contou, um livro que lemos. Nós vivemos isso”, afirmou Criolo ao ACNUR, referindo-se a experiências anteriores de ajuda em seus shows. “Mas nunca nessa proporção gigantesca”, completou o autor de “Não existe amor em SP” antes do início de seu show.
A iniciativa de coletar os alimentos partiu da equipe de produção de Criolo, que procurou o ACNUR e a Missão Belém, dedicada à assistência a moradores de rua e à recuperação de dependentes químicos. Dentre as organizações parceiras do ACNUR em São Paulo, três participaram da ação: a Missão Paz; a IKMR – Eu Conheço Meus Direitos; o Oasis Solidário. Cada uma das quatro entidades recebeu ao redor de 700 quilos de alimentos, volume considerado bem vindo neste momento de crise e carestia. Cerca de 30 voluntários participaram da coleta e distribuição dos mantimentos no local do show.
O padre Paolo Parise, diretor da Missão Paz, ressaltou que as doações de comida têm caído substancialmente ao longo do ano devido ao aumento do desemprego e à queda da atividade econômica no país. Empresas e pessoas físicas cortaram suas doações. A Missão Paz, por meio da Casa do Migrante, distribui mais de 100 cestas básicas ao mês, além de prover alimentação aos 110 refugiados e migrantes que abriga. As mesmas observações sobre a queda de doações foram compartilhadas por Vivianne dos Reis, coordenadora do IKMR, por Amer Masarani, diretor do Oasis Solidário, e por Lucas Douglas, um dos responsáveis pela triagem da Missão Belém. Todos comandaram equipes de voluntários antes e durante o show.
A situação de escassez de alimentos para doação às famílias mais vulneráveis chegou a nível dramático no caso do IKMR, que assiste a cerca de 300 crianças refugiadas e seus familiares. “Os pais estão perdendo seus empregos e, em alguns casos, nem conseguiram ainda arranjar um trabalho desde que chegaram no Brasil. Recebo todos os dias relatos sobre crianças que vão para a escola, de manhã, sem terem comido nada desde a véspera”, disse Vivianne. “Algumas mães africanas, desesperadas, recuperaram uma prática que imaginavam nunca mais repetir desde a chegada a São Paulo: dar água morna com sal a seus filhos para disfarçar a fome.”
O público de Criolo teve o benefício de pagar meia-entrada para seu show ao entregar um quilo de alimento. Muitos de seus fãs, porém, fizeram questão de fazer sua doação mesmo tendo, previamente, o direito ao desconto. Esse foi o caso dos estudantes paulistanos Sérgio, Lucas, Luís e Juliana.
Criolo notabilizou-se por mesclar o rap e suas variações a outros ritmos, como os da MPB, funk, hip-hop e blues. Suas letras refletem, com criticismo, os desafios cotidianos dos habitantes de comunidades pobres de São Paulo. Seu novo CD é uma regravação das composições de “Ainda é Tempo”, lançado em 2006 e com venda total de 1.000 cópias. O compositor iniciou-se na música na região do Grajaú, zona Sul da cidade, na mesma época em que o padre Paolo realizava festivais de rap e hiphop, de dança e teatro.
Sua aproximação com a causa dos refugiados começou com a gravação de um vídeo de apoio à Equipe Olímpica de Refugiados, publicado pelo ACNUR. O time foi composto por dez atletas refugiados que competiram em quatro modalidades nos Jogos Rio 2016 sob a bandeira do Comitê Olímpico Internacional (COI). A iniciativa do COI, com apoio do ACNUR, teve o objetivo de sensibilizar o público para a situação de 65 milhões de pessoas deslocadas de seus locais de origem por causa de conflitos e perseguições.
“Não somos diferentes. Eu venho de uma realidade social onde também vivemos essa vulneralidade absurda, a desgraça social que é o abismo entre as pessoas, disse, ao ser questionado sobre a razão de sua ajuda aos refugiados. “O nosso sorriso pode encantar o planeta. Mas a nossa dor, a nossa colher diária de sal, não é diferente. Se um irmão meu sofre do outro lado do mundo, o mundo todo sofre junto”.
Por Denise Chrispim, de São Paulo