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Relatório do ACNUR retrata crise na educação para refugiados

Documento compara os dados sobre a educação dos refugiados com os dados sobre a matrícula escolar global e aponta que apenas 50% das crianças refugiadas têm acesso à educação primária.

Brasília, 15 de setembro de 2016 (ACNUR) – A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) divulgou ontem um relatório global que aponta que mais da metade dos seis milhões de crianças e adolescentes refugiados em idade escolar, cerca de 3,7 milhões de pessoas, não têm escola para ir.

Cerca de 1,75 milhão de crianças refugiadas não está na escola primária e 1,95 milhão de adolescentes refugiados não estão na escola secundária. Os refugiados são cinco vezes mais propensos a estarem fora da escola do que a média global.

"Isto representa uma crise para milhões de crianças refugiadas", disse Filippo Grandi, Alto Comissário da ONU para Refugiados. "A educação para os refugiados é dolorosamente negligenciada, quando de fato é uma das poucas oportunidades que temos para transformar e construir a próxima geração para que possam mudar as dezenas de milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo".

O relatório compara os dados do ACNUR sobre a educação dos refugiados com os dados da UNESCO sobre a matrícula escolar global. Apenas 50% das crianças refugiadas têm acesso à educação primária, em comparação com uma média global que é de mais de 90%. E como essas crianças se tornam mais velhas, a diferença torna-se um abismo: apenas 22% dos adolescentes refugiados frequentam a escola secundária em comparação com uma média global de 84%. Ao nível do ensino superior, apenas 1% dos refugiados frequenta a universidade, em comparação com uma média global de 34%.

Este relatório é publicado antecedendo à reunião de líderes mundiais que acontecerá entre os dias 19 e 20 de setembro na Cúpula da Assembleia Geral das Nações Unidas para Refugiados e Migrantes, e da Cúpula de Líderes sobre a crise global dos refugiados promovido pelo presidente dos Estados Unidos. Em ambas reuniões, o ACNUR fará um apelo aos governos, doadores, agências humanitárias e parceiros de desenvolvimento, bem como parceiros do setor privado, para fortalecerem seus compromissos de forma a garantir que cada criança receba educação de qualidade.

Permeando as discussões está a Meta 4 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se propõe a "garantir educação inclusiva e de qualidade para todos e promover a aprendizagem ao longo da vida", um objetivo que não será realizado até 2030 caso não sejam atendidas as necessidades de educação das populações vulneráveis, incluindo os refugiados e outras pessoas deslocadas de forma forçada.

"À medida que a comunidade internacional dialoga sobre qual é a melhor forma de lidar com a crise dos refugiados, é essencial pensarmos além da sobrevivência básica", disse Grandi. "A educação permite aos refugiados moldar positivamente o futuro tanto de seus países de refúgio como também de seus países de origem, quando um dia puderem retornar".

Enquanto os destaques no relatório mostram o progresso feito pelos governos, pelo ACNUR e por seus parceiros ao registrar o aumento do número de refugiados na escola, os esforços são evidenciados através dos números absolutos. Enquanto a população mundial de refugiados em idade escolar ficou relativamente estável em 3,5 milhões durante os primeiros 10 anos deste século, desde 2011 este número tem crescido, por ano, na média de 600.000 crianças e adolescentes. Só em 2014, a população de refugiados em idade escolar cresceu 30%. Neste ritmo de crescimento, o ACNUR estima que uma média de pelo menos 12.000 novas salas de aula e 20.000 professores sejam necessários por ano.

Refugiados vivem muitas vezes em regiões onde os governos já empreendem esforços para educar as crianças de sua própria nação. Estes governos enfrentam a tarefa adicional de encontrar vagas nas escolas, professores treinados e materiais de aprendizagem para dezenas ou mesmo centenas de milhares de recém-chegados, que muitas vezes não falam a língua local e que, frequentemente, perderam de três a quatro anos de escolaridade. Mais da metade das crianças e adolescentes refugiados que estão fora da escola estão localizados em apenas sete países: Chade, República Democrática do Congo, Etiópia, Quênia, Líbano, Paquistão e Turquia.

Tendo como exemplo a Síria, o relatório mostra como o conflito desse país tem o potencial de inverter as tendências positivas de educação. Considerando que, em 2009, 94% das crianças sírias frequentavam o ensino fundamental, até junho de 2016 apenas 60% das crianças frequentavam escolas na Síria, deixando 2,1 milhões de crianças e adolescentes sem acesso à educação. Nos países vizinhos, mais de 4,8 milhões de refugiados sírios foram registrados pelo ACNUR, dentre os quais cerca de 35% são de crianças em idade escolar. Na Turquia, apenas 39% das crianças refugiadas em idade escolar e adolescentes foram matriculados no ensino fundamental e médio, 40% no Líbano, e 70% na Jordânia. Isto significa que cerca de 900.000 crianças e adolescentes sírios refugiados em idade escolar não estão na escola.

Em fevereiro, durante a conferência “Apoiando a Síria e a Região”, realizada em Londres, doadores se comprometeram com um plano para abranger 1,7 milhão de refugiados sírios e de crianças e jovens do Líbano, Jordânia, Egito, Iraque e Turquia, assim como as 2,1 milhões de crianças que não frequentavam escolas na Síria. Até o início do novo ano escolar, em setembro, o trabalho feito pelos governos vizinhos da Síria impressionou. A Jordânia e o Líbano reforçaram seus sistemas para dois turnos escolares; 90% das crianças refugiados sírias estavam matriculadas em escolas no Egito, e a Turquia redobrou esforços para incentivar novas matrículas. No entanto, o financiamento desta conferência ainda não está totalmente garantido, trazendo a ameaça de alguns possíveis cortes que interromperiam estes progressos alcançados.

"O progresso visto no Egito, Jordânia, Líbano e Turquia apontam para o potencial de transformar as perspectivas educacionais de refugiados, mas isso só será possível se a comunidade internacional investir", disse Grandi. "A República Islâmica do Irã e o Chade são bons exemplos de governos que estabelecem políticas ativas de incentivo para a matrícula de crianças refugiadas em escolas locais."

O relatório também analisa algumas das situações mais prolongadas de refugiados que recebem menos atenção. No campo de refugiados de Kakuma, no norte do Quênia, o relatório descreve a notável história de uma jovem do Sul do Sudão, Esther, que teve vários anos de educação perdidos até chegar ao último ano do ensino médio. Apenas 3% das crianças do campo de Kakuma estão matriculadas no ensino médio, e menos de 1% no ensino superior.

O relatório faz um apelo aos governantes para que priorizem a inclusão efetiva das crianças refugiadas nos sistemas estruturais de educação. No Chade, uma recente transição de todas as escolas ao sistema nacional apoiou tanto aos refugiados acolhidos como as crianças da comunidade local. No entanto, a falta de financiamento está resultando em salas de aula superlotadas e sem recursos.

Levando em consideração o fato de que o tempo médio de deslocamento de um refugiado em uma situação prolongada perdura por 20 anos, o relatório clama por doadores para promover a transição para um sistema de emergência plurianual e para um financiamento previsível que permita o planejamento sustentável, com programação de qualidade e acompanhamento educacional para crianças e adolescentes refugiados e nacionais.

Em sua conclusão, o relatório descreve a inspiradora história de Nawa, uma refugiada somali que só começou a estudar aos 16 anos, em um centro de aprendizagem da comunidade na Malásia. Menos de quatro anos depois, ela está estudando um curso preparatório para entrar na universidade enquanto faz uma retribuição à sua escola atuando como professora voluntária.

"A história de Nawa prova que nunca é tarde demais para investir na educação dos refugiados e o investimento em educação para um refugiado significa amplos benefícios para toda a comunidade", disse Grandi.

Para acessar o relatório completo, além de fotos, vídeos e infográficos, tendo ainda contatos de mídia, visite www.unhcr.org/57bea3bc4