Piratas e flamingos com traduções automáticas pelo meio…

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Lisboa vista por Margarita (quadro oferecido pela refugiada ao CPR)

Parti de Moscovo como turista.No aeroporto perguntei aos meus amigos: “Que país é esse Portugal?” Eles responderam: “Há piratas lá a viver. Cortavam a cabeça das pessoas e penduravam-nas”. Ótimo! Escolhi bem o país de refúgio… E voei.

Em Portugal, fui para um hotel no Estoril. Era uma sexta-feira, muito tarde. No sábado e domingo no Estoril fui a uma exposição de cães. Estava lá a Polícia de plantão. Eu queria abordá-los e pedir asilo. “Olá, Sr. Polícia! Como está? A propósito… Peço asilo!” À volta os cachorros latiam. Eu aproximei-me várias vezes da Polícia, mas não consegui pronunciar uma única palavra.
Na segunda-feira, fui ao SEF, em Lisboa, na Rua Passos Manuel, e lá conheci uma mulher muito agradável. Pedi asilo. Ela tirou as minhas impressões digitais com delicadeza. Cativou-me, não era como os piratas. O nome dela é Carla. Ela deu-me o endereço da advogada Carla do CPR, na Bela Vista. Eu pensei que todas as mulheres de Portugal têm o nome de Carla.
Depois de uma semana no hotel tive de dizer: “Adeus!” Fui ao SEF e disse-lhes que não tinha nenhum lugar para viver. Eles disseram para ir ao CPR. “Você sabe o endereço?” “Sim”. Anteriormente tinham-me dado o endereço da advogada.
Eu fui para o CPR na Bela Vista. Lá perguntei: “Eu posso viver aqui por pouco tempo?” O homem na recepção trouxe um laptop e via Google tradutor escreveu: “Você não pode viver aqui”, e incluiu um tradutor de voz. A voz mecânica disse em russo esta frase como num filme de suspense, de terror. O homem disse: “Nós temos um carro que irá levá-la ao aeroporto. Lá fica o SEF”. Eu pensei: “Isto tudo é muito suspeito. Eu sei que o SEF fica na rua Passos Manuel, não no aeroporto. Provavelmente o SEF ligou para aqui por telefone, e agora eles todos querem-me mandar de volta para a Rússia”. Eu tinha um bilhete para essa noite num avião para Moscovo, com partida do aeroporto de Lisboa. E eu disse: “Obrigada, eu não quero ir no seu carro. A minha bagagem está no hotel, no Estoril. Vou buscar a bagagem e, em seguida, vou para o aeroporto”.  E rapidamente fugi.
Fiquei com medo durante todo o dia até à hora do avião levantar voo. E eu fiquei em Lisboa. Aluguei um quarto em pensões, residências, hotéis.Todos os dias num novo lugar.
Uma semana depois, fui chamada para uma entrevista no SEF.  A inspetora do SEF perguntou: “Onde é que você mora?” Eu respondi: “Em quarto alugado. Uma vez dormi na rua.” Ela perguntou: “Porque é que você não está a viver no CPR?”  Eu disse que não tinha sido aceite lá. A inspetora disse que era impossível, que não era verdade. Ela disse que ia saber qual era o problema. Mais tarde, percebi que o CPR, na Bela Vista, só abriga crianças.
Pedi para ir para uma escola de Português. O SEF enviou-me para a Bobadela aprender Português. E eu vi que lá viviam refugiados. Eu estava exausta e muito solitária. Viver num país estrangeiro sem a língua. E vi que os refugiados da Bobadela estavam alegres. A professora de português, de repente não se chamava Carla, o seu nome é Isabel. Depois de um mês de vida em Portugal, sem saber a língua, finalmente comecei a entender um pouco de Português. Era a tábua de salvação no oceano. A Professora Isabel tornou-se para mim a pessoa mais importante do planeta Terra.
Uma noite, o proprietário do apartamento onde eu morava estava muito bêbado e começou a fazer um escândalo. Ele queria casar-se comigo. Urgentemente. Nesse momento. Corri pela rua no meio da noite. De manhã, fui ao SEF e disse que estava cansada e não sabia onde morar. Fui enviada para a Bobadela. Ali pude relaxar. Lavaram-me a roupa. Deram-me comida. E tem uma bela vista para o rio. Lá vivem flamingos.
Margarita, Rússia
tradutor
(História recolhida por Isabel Galvão, CPR, Lisboa)

Uma família destruída pela guerra já é demais

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